O mefistofélico julgamento da Amazônia
Leia o Artigo de Mário Ramos Ribeiro, doutor em Economia pela USP, docente da UFPA, presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Pará - Fapespa
Quem cala consente. Esse adágio popular começa a ter efeitos práticos sobre a região amazônica: nas últimas reuniões do comitê preparatório para a Conferência sobre o Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas (Rio+20) no segundo semestre de 2011, o seu secretário executivo e coordenador, o francês Brice Lalonde, defendeu a criação de uma corte internacional para o meio ambiente.
Não é novidade que existe um interesse planetário sobre a região Amazônica; o que há de novo agora é que quem defende a ideia de pautar o tema em uma Conferência das Nações Unidas é exatamente o homem com poderes de coordenar a mesma conferência...
Conhecida como “... the Lalonde Proposal”, a proposta decorre principalmente do histórico silêncio omissivo do governo federal sobre a região Amazônica, e a sua lamentável postura de sempre transferir para os governos estaduais amazônicos o ônus de “abrasileirar” a região.
É obvio e ululante que a Proposta Lalonde não foi parida do nada. Inicialmente, a comunidade política internacional do mundo rico falava apenas em “interferir” - mas não dizia como, nem através de qual dispositivo legal. Depois, com o apoio dos grandes centros científicos do globo, o mundo rico passou a perceber que a região poderia gerar uma “externalidade negativa” para o desempenho de suas ricas economias, e passou a falar em “julgar”.
Um pouco de economia: o que é uma externalidade econômica? Os economistas chamam de “externalidade” um valor - digamos um custo - gerado por uma atividade econômica, mas não pago por quem produz o bem ou serviço. Neste caso teríamos uma “externalidade negativa”. Por exemplo, o cheiroso churrasquinho aqui da esquina da minha casa, onde o vendedor, o “seu” Ergumenal, fez um “gato” no poste e recebe energia da Celpa “de graça” para poder “fritar” o churrasquinho. (É verdade, amigo leitor, o churrasquinho é realmente “frito”. Argh!). Ela é “negativa” porque “alguém” - no caso, “nós”, os outros usuários dos serviços da Rede Celpa - pagamos pela energia que o “seu” Ergumenal consome.
Do outro lado do balcão, uma externalidade é dita “positiva” quando na produção de bens ou serviços alguém gera um “valor” que é capturado por outrem. No caso da Amazônia - para exemplo e registro! - ela é uma “armazenadora natural” de carbono (“carbon sink”), o que beneficia todas as economias do planeta. O detalhe mefistofélico é que o valor dos “serviços ambientais” proporcionados pela Amazônia não é pago por ninguém. Não recebemos um dólar furado pelo “valor” apropriado pelos outros países. Ora, se alguém recebe uma externalidade “positiva” de um terceiro e não paga por ela está recebendo um “subsídio”. O norte rico do planeta está, pois, recebendo um “subsídio” da pobre região Amazônica!
O julgamento final define claramente que a Amazônia - na visão do mundo abastado - “deve” pagar pelas externalidades negativas que produz - por exemplo, pelas “queimadas” - mas não pode “cobrar” pelas externalidades “positivas”que gera (seus serviços ambientais). Um julgamento sem o devido processo legal!
Pois foi exatamente a “percepção saci-pererê” da ciência do mundo dito civilizado quanto às externalidades negativas que pariu este aborto que está sendo chamado pelos países ricos - e algumas das partes da Rio+20 - de “tribunal internacional do meio ambiente”.
Este “tribunal” não seria uma simples “organização”. Por ser um tribunal das Nações Unidas ele teria o poder de gerar normas de força jurídica imediata (“legally binding”). Teria o poder de “distinguir na Amazônia quem é quem”. Selecionar os “biomas e ecossistemas “elegíveis” para fazer o “tribunal” funcionar... Dizer qual atividade econômica seria carbono-intensiva (usuária de energia não-renovável, como o combustível fóssil) e qual atividade econô-mica seria de baixo carbono. Possuiria ainda a faculdade de “punir”, sancionar, determinar embargos, de definir “regras de procedi mento”, mecanismos de compensação e inclusive determinar a retirada dos subsídios agrícolas.
É necessário dizer que na Conferência Rio+20 os ricos vão nos julgar somente pelas externalidades “negativas”? O Itamaraty não se pronunciou sobre a Proposta Lalonde. Quem cala...
Fonte:
http://www.fapespa.pa.gov.br/?q=node/1912