Amigos,
Tentei fazer um resumo da história demográfica do Rio, que é muito interessante. Desde o século XVIII sofremos com a falta de espaço e vamos empurrando a cidade para o oeste...
Peço que façam correções e acréscimos no que acharem necessário!
O Rio era dividido não em bairros, mas em freguesias. As freguesias eram as áreas de abrangência das paróquias, e como os sacramentos valiam como registro civil, acabaram virando, além de divisões eclesiásticas, delimitações administrativas. O conceito de bairro, no Rio, só foi aparecendo da década de 1830 em diante, mas as freguesias só perderam sua importância referencial quase cem anos depois.
Até a década de 1870, as freguesias urbanas eram as seguintes:
SÃO CRISTÓVÃO: correspondente a praticamente o mesmo território do bairro atual;
SANTANA: Cidade Nova e Santo Cristo;
SANTA RITA: Gamboa e Saúde;
Nossa Senhora da CANDELÁRIA: região da atual Praça Mauá;
SACRAMENTO: miolo do Centro, como Praça Tiradentes, Saara e Cruz Vermelha;
SÃO JOSÉ: Castelo;
SANTA LUZIA: Castelo, Misericórdia, Cinelândia;
SANTO ANTONIO: largo da Carioca, Lapa e Bairro de Fátima;
Divino ESPÍRITO SANTO: partes do Estácio e Catumbi;
São Francisco Xavier do ENGENHO VELHO: Tijuca, Maracanã, Vila Isabel, Grajaú e Rio Comprido;
Nossa Senhora da GLÓRIA: Cosme Velho, Laranjeiras, Catete, Glória e Flamengo;
São João Baptista da LAGOA: Botafogo, Humaitá, Copacabana e Leme;
Nossa Senhora da Conceição da GÁVEA: Jardim Botânico, Gávea, Lagoa, Ipanema, Leblon, São Conrado, Joá.
Até a chegada da família real, em 1808, todos viviam no Centro da cidade; as classes sócio-econômicas se misturavam muito, mas as melhores freguesias eram Santo Antonio, Sacramento e São José. Os mais pobres viviam no Mata-Porcos, via entre Santo Antonio e Espírito Santo, hoje Mem de Sá / Salvador de Sá.
Com a chegada da família real, Elias Antonio Lopes, comerciante português proprietário de uma Quinta em São Cristóvão, doou sua residência ao então Príncipe-Regete D. João. Isto fez com que a nobreza da terra e de Portugal se instalasse ou construísse palacetes na área. São Cristóvão virou o primeiro bairro nobre do Rio, e tal condição perdurou até meados da década de 1870 - o bairro acompanhou a decadência da Monarquia.
Por outro lado, D. Carlota Joaquina se estabeleceu na freguesia da Glória, na localidade de Laranjeiras. Isso levou muitos nobres e proprietários ricos, sobretudo estrangeiros, a se instalarem em chácaras na região de mata exuberante, nos atuais Catete, Laranjeiras e Cosme Velho. A atual Glória passou a sediar palacetes, em ambiente mais urbano. As regões supracitadas do centro continuavam valorizadas, e o grosso do comércio e dos serviços - sofisticados e essenciais - continuava lá.
A partir da década de 1850, a aristocracia cafeeira começou a ocupar grandes chácaras no Engenho Velho (que tinha, então, o melhor clima da cidade), que era "feudo" das famílias Mesquita (Barão de Mesquita, Conde de Bonfim, Barão de Itacuruçá) e Souza (Barões do Andaraí). O próprio Duque de Caxias vivia em um palacete onde foi a Mesbla e hoje é um supermercado Sendas, na rua Conde de Bonfim. Engenho Velho, São Cristóvão e as freguesias do Centro eram os locais que concentravam as famílias tradicionais, de nobreza velha.
Os novos ricos, que já ocupavam principalmente o Catete e a Glória, começaram a se mudar para um antigo bairro de pescadores, totalmente urbanizado e planejado na década de 1880: Botafogo. Palacetes em estilo francês em centro de terreno (terrenos urbanos, e não chácaras como no Engenho Velho), quarteirões bem definidos e quadrados, ruas pavimentadas, calçadas largas e ajardinadas, belos e exuberantes jardins na orla do bairro... Tudo enunciava a Paris dos Trópicos que viria nos primeiros anos da República.
1889, Proclamação da República. A Família Imperial é enxotada, a grande nobreza já é decadente. Os grandes comerciantes, joalheiros, médicos e industriais se firmavam como a nova elite do Rio. Vão se mudando aos poucos todos para Botafogo, bem como as família tradicionais remanescentes (que ainda não haviam se mudado para o vizinho aristocrático, o Flamengo, onde pululavam palacetes novos mas ainda não havia a noção de centro de terreno e calçadas), sepultando aos poucos São Cristóvão e o Engenho Velho. O Catete também toma novos ares com a compra do palacete do Conde de Nova Friburgo, Antonio Clemente Pinto, para servir de nova sede do Governo; com isso, grande parte dos políticos passa a morar nas proximidades do Palácio. A Glória decai, e vai se transformando em bairro intelectual e boêmio.
Na década de 1920, o carioca já se esqueceu das freguesias e os bairros já "pegaram"; se inicia a ocupação efetiva de Copacabana e Ipanema. Estrangeiros e visionários, de famílias antigas ou não - mas em geral todos endinheirados - vão construindo casarões no areial. Copacabana já nasce luxuosa, tradicional, com o Copacabana Palace e o Edifício São Lélis, na esquina de Atlântica com Barão de Ipanema - um edifício de veraneio para Generais. Na década de 1930, a Medicina começa a sugerir banhos de mar como terapia: é a deixa para que o Engenho Velho migre, em massa, para a Princesinha do Mar, que na década de 1940 já é o mais verticalizado dos bairros cariocas.
Nas décadas de 1940 e 1950, São Cristóvão é decadência total. Rio Comprido, seu substituto, ainda é um bairro bucólico, escondido; preferido dos alemães e ingleses, tem um perfil mais urbano e menos aristocrático que o Engenho Velho, tendo dado lugar, por isso, a uma classe média crescente. No vizinho mais nobre, enquanto isso, as casas pouco a pouco são derrubadas e surgem os primeiros edifícios de apartamentos. Vila Isabel também desponta como bairro de classe média. Com o tempo, Rio Comprido e Vila Isabel estendem sua natureza ao vizinho ex-aristocrático, pululando edifícios e demolindo casas em ritmo acelerado.
Com o auge de Copacabana, Botafogo entra em colapso; não tem o charme do vizinho Flamengo, muito menos o encanto da Praia oceânica. Mingua. Expia sua condição até fins da década de 1990, quando começa a se reerguer. Vira lar de cabeças-de-porco, edifícios com centenas de conjugados - um pouso na Capital Federal para a classe média do Brasil a fora. Enquanto a avenida Rui Barbosa despontou como enclave de prédios de luxo desde a década de 1930 e nunca perdeu seu status, só dois edifícios assim foram construídos na Praia de Botafogo: o Caparaó e o Corcovado, ainda hoje lares de muitas famílias tradicionais do Rio.
Em 1960, Ipanema começa a ganhar charme, quando uma certa garota seduz Vinícius e Tom...Daí em diante, todos conhecem bem a história!