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A nova imagem de São Paulo

1746 Views 2 Replies 3 Participants Last post by  Marcio4Ever
Benedito Lima de Toledo


A defesa da estética urbana é o sentido da decisão das autoridades em coibir os excessos da publicidade em vias públicas. Agora é hora do rescaldo. A cidade temporariamente ganha uma aparência de reconstrução, como vemos em fotos tomadas à época da revolução de 1924.
Por baixo dos painéis espalhafatosos que agridem a paisagem, a sujeira acumulada em décadas, associada a estruturas precárias, começa a surgir uma face desconhecida da cidade.
Algumas surpresas: fachadas do período do ecletismo, muitas delas devidas aos antigos e hábeis capomastri, que trouxeram em suas mãos rudes a arte de compor fachadas. Eram os chamados frentistas - os mais graduados entre os pedreiros.
Congregavam, 'a sentimento', componentes de diversos momentos da história da arquitetura, como uma réplica de carranca presente em alguma vila italiana, ou o belo rosto feminino emprestado do movimento art nouveau, balaústres e caixilhos de desenho caprichoso, vistos em casas de ruas como a Santa Ifigênia e a Florêncio de Abreu. Disse casas, mas entendamos bem.
Muitas delas comportavam comércio no térreo e residência da família do comerciante no piso superior. A diferença dos acabamentos nos dois níveis é visível. No térreo comparecem vigas de aço, por vezes designadas como 'trilhos', para maior rendimento do espaço; na área familiar, estuques e molduras no pretenso estilo de algum rei Luís da França, sem falar de vidraças com gravações jateadas com pássaros e flores. Essas gravações, realizadas para serem vistas contra a luz do dia, constituem uma obra de arte despretensiosa. À noite, a luz do interior presenteava a rua com tais imagens. Um exemplo é a chamada Casa da Bóia, na Rua Florêncio de Abreu, que conta até com um pequeno museu.
Os comerciantes eram incansáveis. Almoçavam, por vezes, no patamar da escada, permanentemente supervisionando o trabalho dos caixeiros e o atendimento dos fregueses.
Na região central não faltam construções imaginosas, tanto em versões eruditas como populares, prejudicadas pela proliferação de placas.
O pinho-de-riga foi uma contribuição da Letônia para os batentes das portas e caixilhos. Agora os comerciantes vão começar a perceber a atração da clientela por fachadas limpas, restauradas e com cores harmoniosas. Tal fato já sucedeu em Curitiba, em alguns 'corredores' no Rio de Janeiro ou no Recife, às margens do Capibaribe.
Como poderá vir a ser a Marginal do Rio Pinheiros, se uma vez removidas aquelas peças publicitárias de dimensões gigantes, ao lado do Jóquei Clube e da Cidade Universitária, em seu lugar surgisse um enfileiramento de árvores? A Cidade Universitária tem bons antecedentes.
Após as obras de retificação do rio, recebeu um terreno inóspito, sem sinal de vegetação, mas, ao longo do tempo, vem constituindo uma reserva verde de que São Paulo pode orgulhar-se. O exemplo deveria ser seguido com o Parque Villa-Lobos, na outra margem. Faltam agora os famosos pinheiros que deram nome ao rio, ao antigo bairro e ao novo 'Alto dos Pinheiros' - e não 'de', como figura nas placas. Mas, atenção, as árvores desta cidade têm dois inimigos que conjugam esforços para sua destruição: o cupim e a Eletropaulo. O cupim devora as entranhas das árvores e a Eletropaulo mutila e acaba com seu equilíbrio. O professor José Carlos de Figueiredo Ferraz dizia em suas aulas que o enraizamento tem configuração para responder aos esforços externos, como ventania. Rompido esse equilíbrio com o desgalhamento, a árvore pode não se sustentar mais. Nos dias de chuva, ao cair sobre um carro, a culpa correrá por conta do vento.
Certamente não seria pedir muito à concessionária que desse um mínimo de orientação a seus funcionários.
A defesa de todos componentes da paisagem urbana significa, literalmente, a defesa da saúde da população, não se encontrando justificativa em privilegiar setores que exploram a propaganda ao ar livre. A arquitetura, de todas as artes, é a que mais diretamente beneficia o homem, ao lhe proporcionar abrigo em todos gêneros de atividade. Ninguém pode, portanto, dispor a seu bel-prazer empenas de edifícios para seu comércio. O desrespeito à estética urbana é sintoma de primarismo cultural. Vamos indagar por que algumas vias se degradam mais que outras. Um laboratório pode ser a Avenida Santo Amaro. A antiga 'Estrada Velha de Santo Amaro' foi duplicada em certa época. As calçadas ficaram exíguas, para desespero dos pedestres em dias de chuva e, como se não bastasse, há uma proliferação de postes em ambas as calçadas. Os postes são plantados sem nenhuma disciplina. Em algumas esquinas se pode ver um congestionamento de três ou mais postes. Não há nenhum método no espaçamento. Ninguém terá a desfaçatez de afirmar que essa anarquia é inerente ao serviço. Se enterrar a fiação é uma operação onerosa e complexa, vamos, pelo menos, disciplinar o equipamento exposto à luz solar na paisagem.
Essa degradação é terreno propício à proliferação de faixas, tabuletas e à agressão dos pichadores, fatos que levam ao desestímulo pela manutenção dos imóveis. Vamos imaginar a avenida sem a anarquia dos postes, com fachadas tratadas com escova, sabão e pintura nova. Não seria pedir muito.
A avenida conta até com um belo mural de Clovis Graciano, totalmente prejudicado pela ação deletéria dos grafiteiros. Fica em um edifício de esquina, com arquitetura que pode ser datada da década de 1960. Se alguém estiver interessado, que procure. Quem gosta da cidade onde vive vive melhor.


Benedito Lima de Toledo, professor titular da FAU-USP, é membro da Academia Paulista de Letras
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Ótimo texto. Não sou de São Paulo, mas a lei municipal deu o que falar Brasil a fora, e de primeira mao não concordei muito, mas depois que vi uma reportagem na tv retratando essas faxadas antigas, com belas arquiteturas, vi que me equivoquei. Não há nada mais bonito (arquiteturamenete falando)que uma construçao antiga e bem cuidada constratando com os predios e a vida moderna agitada. Estudo engenharia civil na UEPG, to no primeiro ano ainda, mas quando ando por ponta grossa e reparo no jeito de como esta organizada a cidade, fico entristecido, pois, apesar de ser ainda uma cidade pequena, ela projeta-se num futuro proximo a ser uma cidade grande, e planejamento urbano falta muito nessa cidade. Espero, depois de formado, poder contribuir com a cidade...
Textos longos a esse horário me dão uma certa preguiça, mas amanha leio!
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