Assaltantes transformam avenida Manoel Dias em cenário de terror
A avenida Manoel Dias da Silva, na Pituba, é uma suntuosa passarela de asfalto onde pobreza e abundância desfilam diariamente. Velhinhas que vão à igreja em seus trajes de missa cruzam com trombadinhas em seus trajes de trapos. Funcionários de banco cheios de gel nos cabelos tentam evitar os mendigos ávidos por esmola e pela próxima pedra de crack.
A principal avenida da Pituba reúne pobreza, opulência e insegurança
Dos esbarrões de personagens tão diferentes, surge uma estatística que estava escondida sob o requinte da avenida. Segundo dados da 16ª Delegacia, na Pituba, somente em março foram registrados 30 roubos e furtos. Em média, todos os dias acontece um assalto na Manoel Dias da Silva.
Farmácias
Os estabelecimentos mais cobiçado pelos assaltantes são as farmácias. As duas lojas da rede Pague Menos localizadas na via são as que mais sofreram este ano. Na unidade localizada no fim da avenida, no sentido Rio Vermelho, uma funcionária que não quis se identificar disse que o estabelecimento recebe visitas rotineiras e indesejadas. “ Parece mentira, mas quase todos os dias somos assaltados. Vem ladrão de todo jeito, a pé, de moto, de carro”, conta ela. A gerente já foi à delegacia pelo menos dez vezes este ano.
Na outra unidade, próxima à locadora Vídeo Hobby, acontecem tantos assaltos que os ladrões retardatários às vezes não encontram mais o que roubar. Em 31 de março, a loja foi assaltada duas vezes em menos de duas horas. O primeiro grupo, formado por três bandidos, chegou por voltado meio-dia. Eles roubaram funcionários e cerca de R$ 400 do caixa. Quando balconistas e caixas começavam a recuperar a tranquilidade, um novo susto. Às 13h30, outro grupo de três assaltantes chegou. Como o caixa e os bolsos foram esvaziados pela quadrilha do meio-dia, eles tiveram que se contentar em roubar clientes e medicamentos.
Neguinho
A funcionária Jamile Santana, 25, disse que a maior parte dos assaltos é obra da quadrilha de um menor de idade conhecido por Neguinho. Ela contou que, desde que começou a trabalhar na farmácia, há sete meses, já foi assaltada pelo jovem cinco vezes. “Uma vez ele entrou e disse: ‘Vocês já me conhecem, então vamos passando tudo que hoje eu não tô afim de matar ninguém’”, lembrou.
O último assalto à unidade foi na quinta-feira da semana retrasada, quando dois homens levaram R$ 254. Quando encontram os caixas vazios, os bandidos roubam remédios para disfunção erétil para levantar uma grana no mercado ilegal. Os mais procurados são o Viagra, o Levitra e o Cialis. Uma caixa de Viagra com oito comprimidos custa cerca de R$ 200 e a de Cialis, R$ 220. “Tem ladrão que nem chega ao caixa, vai direto atrás dos remédios”, contou Jamile.
Enquanto farmácias sofrem com o sarcasmo bandido dos criminosos, mulheres e idosos que circulam pela avenida são as vítimas preferenciais de meninos de rua. “São garotos de 12 a 15 anos. Eles cercam, roubam e saem correndo que não tem quem alcance” , contou o ambulante Lucivaldo Bispo, 52, que há 15 anos vende lanches na avenida. Ele nunca foi assaltado porque mantém uma política de boa vizinhança com os ladrões. “Os meninos pedem pastel, coxinha e eu dou para não ter problema. Tenho mais a perder do que eles”, explicou.
Igreja
A balconista Kelly Santana, 21 anos, ficou traumatizada depois de uma tentativa de assalto. No fim de janeiro, ela desceu no ponto próximo à Igreja Nossa Senhora da Luz e seguiu para o trabalho, na rua Minas Gerais. No trajeto, percebeu que estava sendo perseguida por dois homens. Kelly entrou na Drogaria São Paulo e pediu para o segurança acompanhá-la. “Quando saí eles cruzaram comigo e disseram: ‘É, morena, vai ficar pra próxima”, lembrou.
Com medo, a balconista começou a sair uma hora mais cedo do trabalho, antes de o dia escurecer. “Agora, ando na rua olhando para os lados. Acho sempre que eles vão aparecer”, afirmou.
Os pequenos assaltantes têm tanta certeza de que não serão pegos que tentam vender os materiais roubados na própria Manoel Dias da Silva aos seguranças que trabalham para estabelecimentos comerciais. “ Uma vez um moleque teve a ousadia de me oferecer um celular novinho, com câmera e tudo, por R$ 50”, afirmou o segurança da farmácia Pague Menos Edmilson Santana, 34 anos.
Rivalidade
Como nunca conseguiu chegar perto de Neguinho, Edmilson vive remoendo um rixa platônica com o assaltante. “Vivo pensando no dia em que eu botar as mãos nele. Durmo e acordo pensando nisso”, disse. Segundo ele, o assaltante mantém um grupo de menores de idade que circula pela avenida em bicicletas para passar informações sobre a presença da polícia. “Ficam olhando e ligando para ele. Neguinho só aparece quando tá limpo”.
Segundo o delegado André Carneiro, plantonista da 16ª Delegacia, na Pituba, os crimes contra o patrimônio são os mais comuns na avenida, já que há muita riqueza circulando no local, cheio de bancos e lojas.
Ele argumentou que a maioria dos assaltantes vem de outros bairros da cidade, o que dificulta a ação da polícia. “É uma área de passagem, isso dificulta. Nós estamos acompanhando e prendendo os criminosos”, afirmou. “É um trabalho contínuo, nós prendemos e surgem outros”, completou.
Bandidos atacam os pedestres e lojas em grupos
Na avenida Manoel Dias tem assalto para todos os bolsos, bolsas e caixas. E os dois principais grupos de ladrões desfrutam dessa variedade de diferentes formas. O primeiro é formado por menores de idade. São garotos que aparentam ter de 12 a 16 anos e assaltam pessoas que circulam pela avenida. As vítimas preferenciais são mulheres e idosos. “Eles ficam olhando e, quando atacam, vão em três. Cercam a vítima e arrancam o que puderem, bolsa, relógio, colar”, contou o ambulante Lucivaldo Bispo, 52 anos. “Eles colocam o colar dentro da boca e saem correndo”, completou. Eles costumam correr na direção do bairro do Itaigara para pegar algum ônibus.
Comércio de dia e bocas de fumo à noite: tráfico
se concentra nas ruas internas, como a Minas Gerais
Nos assaltos a estabelecimentos comerciais, eles geralmente atacam em três e usam revólveres. Os ladrões chegam a pé, moto ou carro. “Um fica na porta para vigiar, outro esvazia o caixa e o terceiro vai para os produtos”, disse o segurança Edmilson Santana, 34. Antes dos assaltos, pessoas suspeitas passam várias vezes em frente ao estabelecimento. Os seguranças não dão combate. Eles não combatem, observam e chamam a polícia quando acontece um assalto ou quando há suspeitos circulando pela área.
Rua Minas Gerais do crack
A crackolândia dos abastados reúne em uma mesma rua sacizeiros, comerciantes, travestis e jovens de classe média que frequentam bares requintados. Lá, o preço da pedra pode ser o mesmo de uma cerveja long neck, R$ 5. O reduto do crack é a rua Minas Gerais.
A via fica entre a Octávio Mangabeira, que passa pela Orla da Pituba, e a Manoel Dias da Silva. O parque das pedras abre suas portas no apagar das luzes das lojas. Quando o dia começa a escurecer, traficantes começam a vender ingressos para passear na montanha-russa da crackolândia. “Quando dá 18h, eles começam a passar a pedra como se estivessem vendendo banana”, contou um segurança que não quis se identificar.
Quem caminha pelas calçadas pode tropeçar em um viciado fumando pedra. “Eles se escondem atrás de carros para fumar. No outro dia, estão todos jogados no chão”, contou o mesmo segurança.
No dia 9 de abril, a polícia prendeu na rua o traficante Ronaldo da Silva Santos, 26 anos, com 100 pedras de crack. Ele foi flagrado nas imediações da boate Eros. Segundo o delegado André Carneiro, plantonista da 16ª Delegacia, na Pituba, ele confessou que já tinha vendido 200 pedras. “Ele é lavador de carros no comércio e à noite trafica na Pituba”, disse o delegado.
Na noite de quinta, a polícia prendeu outro traficante, Tiago de Oliveira Costa, com 13 pedras. Quando o dia amanhece e os últimos zumbis sacizeiros despertam do sono de pedra, os lojistas voltam a se preocupar com os assaltos. Na quinta-feira Santa, roubaram R$ 3,2 mil de uma lotérica. Com medo de ter mais prejuízos, o dono, Benedito Queiroz, 58, instalou sete câmeras de segurança. “Gastei pouco mais de R$ 4 mil. Mas não temos escolha”, afirmou.
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