Uma paisagem urbana dos sonhos
Arquitetos listam construções que deveriam ser removidas do cenário carioca
RIO - Enquanto os cariocas estavam distraídos aproveitando as dunas da Gal, no início dos anos 70, ou balançando o corpo nos frenéticos dancing days, já no finalzinho da década, a paisagem da cidade foi mudando sem que muitos se dessem conta do estrago. Num ritmo alucinante, que combinava mais com a onda da discoteca do que com a paz e amor que reinava nas areias de Ipanema, foram surgindo novos elevados e viadutos, que enfeiaram a paisagem privilegiada da cidade. Num exercício de imaginação, estimulado pela decisão do prefeito Eduardo Paes de pôr abaixo o Elevado do Perimetral, revelando a beleza da Praça Quinze e arredores, repórteres do GLOBO consultaram arquitetos e urbanistas para saber o que mereceria também desaparecer, nem que fosse apenas em sonho.
O resultado foi quase unânime: não há quem se conforme com o
Elevado Paulo de Frontin, que, mesmo antes de concluído, já estava envolto numa aura de desgraça. Em novembro de 71, 112 metros da estrutura, em fase final de construção, desabaram, matando 48 pessoas. Passada a comoção, ele foi ampliado e inaugurado, acabando com o ar bucólico e boa parte dos casarios do
Rio Comprido e, de quebra, levando barulho e poluição para os moradores de prédios próximos. Isto sem falar, é claro, na área debaixo do elevado, eternamente sombreada e onde uma nesga de sol é privilégio bissexto.
— O que fizeram foi um crime,
um agressão a uma área belíssima. Antes do Elevado Paulo de Frontin,
aquele área parecia Petrópolis, com casas dos dois lados e um canal no meio — diz o arquiteto e urbanista Nireu Cavalcanti.
O arquiteto Fagner Marçal, mestre pela UFRJ, faz coro:
— O elevado colaborou para aumentar a sensação de sufocamento pelo pedestre, gerando um corredor expresso de poluição, sujeira, abandono e insegurança. Se não é possível a demolição, como acontece com a Perimetral, por que não a qualificação daquele espaço? Temos uma infinidade de métodos alternativos de iluminação indireta para o espaço sob o viaduto.
A criação de um espaço verde estimularia a revitalização urbana daquele trecho.
Uma simulação feita pelo GLOBO mostra como a região ficaria hoje sem o elevado, apenas com a avenida margeando o canal. O resultado é uma área mais arborizada e ensolarada, mais de acordo com o Rio.
Em
São Cristovão, outra simulação mostrou como ficaria o bairro sem as
aberrações trazidas pela Linha Vermelha, que, em alguns trechos, também esta grudada às construções.
— Estes elevados são um horror do ponto de vista estético, mas importantes para a mobilidade, já que não se investiu adequadamente no transporte público. Mas há formas melhores de se fazer as obras, desapropriando uma área maior, criando parques em volta. Não pode ter nada grudado nas casas — diz o arquiteto Pablo Benetti, professor da UFRJ.
Se não pode ser grudado nas casas, imagina debaixo delas. O exemplo do
Túnel Acústico, que acabou passando, após uma polêmica se cortaria ou não o campus da PUC, por dentro do Conjunto Habitacional Marquês de São Vicente, conhecido como Minhocão, na Gávea, é também criticado.
— A passagem por baixo do edifício, abrindo um buraco no prédio, foi simplória. Poderia entrar em túnel, por debaixo da rua, sem agredir a cidade — diz Sérgio Magalhães, presidente do Instituto dos Arquitetos do Brasil.
A simulação feita pelo GLOBO mostra o prédio recomposto e um gramado no ligar das pistas atuais — um cenário bem mais acolhedor do que o atual.
Para o arquiteto Augusto Ivan, um dos patinhos feios da cidade é o
viaduto 31 de março, na saída do Túnel Santa Bárbara, no Catumbi. Para transformá-lo em cisne, o GLOBO simulou novamente sua retirada. O prefeito Eduardo Paes não quis entrar na brincadeira.
Convidado para apontar os monstregos estraga-paisagem, ele se recusou, talvez com medo de que, já que vai derrubar a Perimetral, fique com fama de
Pereira Passos do século 21. O que, para alguns, até que não seria uma má ideia.
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