Casas ao lado da pista do aeroporto internacional de Guarulhos
Remoção de barracos vai custar R$ 300 milhões à União e deve levar dois anos; obra poderia ser adiantada no período
Urbanização diminuiu grau de formação de neblina na região; hoje, aeroporto fecha menos do que na época de sua inauguração, nos anos 80
VINÍCIUS QUEIROZ GALVÃO
DA REPORTAGEM LOCAL
Em meio à maior crise da aviação comercial brasileira, uma favela de 5.000 barracos erguida clandestinamente às margens da cabeceira da pista do aeroporto internacional de Cumbica, em Guarulhos (Grande SP) compromete a construção de três novos terminais (dois de passageiros e um de carga) e da terceira pista de pousos e decolagens.
Não fossem as desapropriações e indenizações, as obras poderiam ser adiantadas em cerca de dois anos.
O diagnóstico é feito pela Infraero, estatal que administra os aeroportos, e pelo Comando da Aeronáutica. Em processo de licitação, aberto em abril, a reforma deve começar no segundo semestre e durar cinco anos. Em 24 meses, diz o superintendente regional da Infraero, Edgar Brandão Júnior, os barracos serão desapropriados e as famílias, indenizadas.
A estatal contratou uma consultoria econômica para avaliar o valor da restituição que será paga a cada morador. O balanço sai em um ano e é avaliado em R$ 300 milhões.
O artigo 43 do Código Brasileiro de Aeronáutica diz que "as propriedades vizinhas dos aeroportos estão sujeitas a restrições especiais". A mesma lei diz que, para cada terminal, deverão ser criados "planos específicos de zonas de proteção".
Procurada pela Folha, a Força Aérea afirma que as delimitações de Guarulhos são "nos planos horizontal e vertical" e que cabe à "prefeitura compatibilizar o zoneamento".
Segundo a Infraero, a margem de segurança da cabeceira da pista de Guarulhos deveria ser de 300 metros. Mas os barracos estão a 60 metros da cabeceira da pista.
Resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente em conjunto com o Cenipa (Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos) estabelece área de segurança num raio de 13 a 20 quilômetros das pistas.
Normas da Icao (Organização Internacional da Aviação Civil, na sigla em inglês) recomendam a remoção de construções nas cercanias das pistas dos aeroportos.
As favelas, diz a FAB, são construídas à revelia do poder público. "Elas surgem. Assim, poderá haver dificuldades para a expansão do Aeroporto de Guarulhos, caso não sejam adotadas medidas restritivas imediatas", diz a FAB em nota.
A Prefeitura de Guarulhos afirma que o loteamento é irregular e surgiu da ocupação desordenada de um conjunto habitacional.
"Não houve atenção do poder público com fiscalização, e a ocupação imprópria chegou nesse limite que está hoje", diz a secretária de Habitação de Guarulhos, Helena Sena.
O preço baixo e a oferta de terrenos na região, pólo industrial da Grande São Paulo, atraíram moradores na década de 1980, época da construção e inauguração do aeroporto.
O primeiro aglomerado urbano no entorno de Cumbica foi o Jardim Novo Portugal, uma macrorregião pobre mas que conserva traços urbanos tradicionais, como avenidas asfaltadas, Correios e comércio, e que se estende da rodovia Presidente Dutra aos morros por trás do aeroporto.
Nos últimos anos, um braço de favela, batizado de Jardim Regina, avançou na direção da cabeceira da pista até encostar na cerca de proteção.
Hoje, 5.000 famílias, ou 15 mil pessoas, vivem na comunidade. Segundo a prefeitura, 25 favelas estão registradas no entorno do aeroporto de Guarulhos, nem todas às margens da cabeceira da pista.
A política da Infraero consistia em ignorar a vizinhança, postura que começou a ser mudada nos últimos anos, com programas de educação ambiental para crianças. Desde 2002, diz a estatal, há um acordo em conjunto com a prefeitura para fiscalização rigorosa.
Frases
O aeroporto tem divisão física, protegida por cerca. Do muro para dentro temos como controlar, do lado de fora a gerência é da prefeitura local. O ideal é que a área fosse mais protegida
EDGAR BRANDÃO JÚNIOR
superintendente regional da Infraero
Não houve atenção do poder público com fiscalização, e a ocupação imprópria chegou a esse limite que está hoje. A prefeitura tem cadastro dos moradores, mas não há projetos para relocação
HELENA SENA
secretária de Habitação de Guarulhos
Com casa rachada, morador reclama de barulho; urbanistas sugerem remoção
Da janela de seu barraco, Clotilde Ribeiro Alves, 58, mostra um Boeing-747 (um jumbo da British Airways) decolar. Sem nunca ter entrado num avião, ela vê (e ouve) mais de 200 pousos e decolagens, da perspectiva da cabeceira da pista principal, do aeroporto de Cumbica por dia.
Barulho excessivo, isolamento, poluição, falta de infra-estrutura, como saneamento e luz, transporte público precário e rachadura das casas são as reclamações comuns dos vizinhos do aeroporto.
Às 4h da manhã, um avião cargueiro -carregador de contêineres, e, por isso, dotado de turbinas mais potentes e barulhentas- decola diariamente, apesar dos protestos.
O aumento da população clandestina às margens da pista obrigou uma observação mais atenta da autoridade aeronáutica. O lixo doméstico atrai urubus, um risco à aviação, por exemplo. As pipas também interferem no tráfego aéreo.
Um dos investimentos da administração do aeroporto foi a criação de um programa de educação ambiental para cuidar da questão do lixo com os moradores. Outro foi a procura de espaço na região para construir um "pipódromo".
Há 14 anos na favela Jardim Regina, Alves, dona-de-casa, se queixa dos ratos, atraídos pelo esgoto a céu aberto e pelo lixo jogado num córrego, e das rachaduras da casa, causadas pela trepidação dos aviões.
"Olha esse reboco (ela mostra). Já gastei uns R$ 1.000 para arrumar o barraco", reclama.
Remoção
"As autoridades aeroportuárias deveriam ter tomado providências para deslocamento das pessoas de áreas de risco. Esse caso de Guarulhos é raro e um pouco espantoso. É uma área de utilidade pública e de segurança. É preciso uma área de proteção das cabeceiras. Deve haver uma relocação, não há sombra de dúvidas", avalia Pedro Taddei Neto, professor de planejamento da FAU, a faculdade de urbanismo da USP.
"A atribuição é da gestão urbana, da prefeitura. Faltou fiscalização, que deveria ter comparecido e proibido. É preciso tomar medidas de precaução para invasão. O primeiro passo é encaminhar os moradores para outro local. Não há como resolver o lugar. O solução é levar para local adequado", completa o urbanista Celso Pazzanesi, professor da Escola da Cidade.
Segundo a Infraero, o Jardim Regina e alguns barracos das favelas adjacentes devem ser removidos pelo Ministério das Cidades em até dois anos.
"Antes, indenizava-se só a área. Hoje, é preciso pagar pela construção", afirma Edgar Brandão Jr, superintendente regional da Infraero. A estatal tem planos de implantação de um programa de medição de ruídos na área do aeroporto. (VQG)
População cresce 150% ao redor do aeroporto
Desde a inauguração do aeroporto internacional de Guarulhos, em 1985, a população vizinha ao terminal, em Cumbica, zona leste da cidade, cresceu 150%, segundo comparação dos censos de 1980 e 2000.
Os sete bairros do entorno, que incluem 25 favelas, ganharam 198.465 novos habitantes -passando de 127.372 para 325.837. O aumento nessa região supera o do município que, no mesmo período, cresceu 101%. Passou de 532.726 habitantes para 1.072.717.
Para a Prefeitura de Guarulhos, o preço baixo, a sobreoferta de terrenos e os empregos gerados pelo aeroporto e pelo pólo industrial atraíram moradores, que migraram principalmente de São Paulo.
Dados do censo 2000 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) revelam que 82% dos moradores da região são das classes C e D.
Com 14km2, o aeroporto, diz a prefeitura, ocupa 12% do território urbanizado da cidade, que no último Censo ultrapassou 1 milhão de habitantes, superando Campinas como a segunda mais populosa do Estado de São Paulo.
Hoje, a cidade cresce rumo ao leste (onde fica o aeroporto) e ao norte (serra da Cantareira), regiões precárias de infra-estrutura e que sofrem com a poluição ambiental e sonora dos aviões, caminhões e indústrias. O dado preocupa os técnicos porque o município de Guarulhos cresce na velocidade de 2,5% ao ano, enquanto a capital, a 0,8%.
Segundo a prefeitura, metade da população de Guarulhos vive em loteamentos irregulares ou em 320 favelas -situação típica no aeroporto.