Baía de Guanabara: 15 anos à espera de vida
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Mais de R$ 1,36 trilhão não evitou despejo diário de um Maracanã de esgoto até o topo
POR DIEGO BARRETO
Rio - ‘Nasci na beira da Baía e posso dizer que, em toda a minha vida, os últimos 15 anos foram os piores, a situação ficou horrível aqui. Não tem mais peixe, só esgoto’, afirma Lindauro Dutra da Rosa, 75 anos, da terceira geração de uma família de pescadores, encalhado no mar negro e espesso da Praia de Tubiacanga, Ilha do Governador, que exala forte mau cheiro.
Esses mesmos 15 anos foram marcados pelo Programa de Despoluição da Baía de Guanabara (PDBG), que, com orçamento inicial de 793 milhões de dólares, equivalentes hoje a mais de R$ 1,36 trilhão, não conseguiu evitar que a cada segundo 25 mil litros de esgoto sem tratamento cheguem à Baía.
Praia de Tubiacanga, na Ilha, virou mar de lodo nas últimas duas décadas, tirando o sustento de pescadores |
Iniciado em 3 de fevereiro de 1995, o PDBG previa conjunto de ações para dotar de saneamento os municípios em volta da Baía. As obras incluíam construção e ampliação de oito estações de tratamento de esgoto, além da implantação de redes coletoras e de abastecimento. Capitaneado pelo governo estadual, o PDBG obteve financiamento do Japan Bank for International Cooperation e do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).
A meta era terminar a primeira etapa do programa em 1999, tratando 58% do esgoto lançado. Uma década e meia depois, a Baía de Guanabara recebe 70% do esgoto doméstico in natura de 15 milhões de habitantes do seu entorno. Três estações de tratamento (ETEs) ainda não foram concluídas: Sarapuí, São Gonçalo e Pavuna.
Os efluentes domésticos não são a única fonte de poluição. Estudo elaborado pelo engenheiro hidráulico e sanitarista Jorge Paes Rios aponta que, além dos 25 metros cúbicos de esgoto, diariamente são lançados nas águas da Baía 6,5 toneladas de óleo, oriundas de terminais marítimos de petróleo, estaleiros e indústrias. A carga orgânica das seis mil indústrias no entorno atinge aproximadamente 100 toneladas. Cerca de 300 quilos de metais pesados também são descartados lá.
“Se o Maracanã fosse uma caixa d’água cheia até a tampa, seria essa a quantidade de esgoto que vai todos os dias para dentro da Baía de Guanabara”, descreve Jorge. “A Baía está pedindo socorro há muito tempo. Só que tudo isso requer dinheiro e campanhas educativas. Se fizessem tudo o que está no papel, a Baía estaria despoluída”, acredita ele, que defende barreira de tratamento para impedir a chegada de poluentes à Baía. Por enquanto, mais uma vez o velho Maranata, barco que acompanhou o pescador Lindauro nos últimos 50 anos, não sairá para o mar. “O homem conseguiu jogar tanto esgoto que matou a Baía”, sentenciou Lindauro.
Poluição para quatro programas
Presidente da ONG Instituto Baía de Guanabara, a engenheira química Dora Negreiros explica que, mesmo que a 1ª fase do PDBG tivesse sido totalmente executada, a Baía não estaria recuperada. “Participei do grupo que elaborou o projeto. Na época todos os técnicos sabiam que seriam necessários uns 4 programas daquela proporção para restabelecer a Baía. Limpá-la não é como fazer a limpeza de uma piscina, simplesmente jogando produtos químicos”, afirma Dora. A especialista diz que em 15 anos a maior fonte de poluição mudou. “Quando o PDBG foi lançado, o maior problema eram os resíduos industriais. Hoje isso melhorou muito. Em compensação, o esgoto doméstico, sobretudo de ligações clandestinas, é o grande poluidor”.
Falta de planejamento fez obras serem interrompidas
Presidente da Companhia Estadual de Águas e Esgotos (Cedae), Wagner Victer argumenta que até 2006 o PDBG sofreu com erros de gestão. “Eram várias frentes de obra simultâneas, que andavam quando havia verba. Quando faltava dinheiro, parava tudo”, conta Victer, que mudou o gerenciamento do programa ao assumir o atual cargo.
“Focamos em cada obra, priorizando as que tratariam volume maior de esgoto. Inauguramos a ETE de Alegria, que trata 2.500 litros de esgoto por segundo: são menos 240 milhões de litros por dia. Entre seis e oito meses, vamos inaugurar a ETE de Sarapuí que vai tratar mais 1.500 litros por segundo. A de São Gonçalo deve ficar pronta dentro de um ano e meio”. Descrente da recuperação da Baía, Lindauro sentencia sem titubear o destino dos pescadores: “Ou muda de ramo ou morre de fome. Graças a Deus, consegui tirar meus três filhos do mar. Passariam necessidade”.
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Assoreada, Baía de Guanabara perde até 3 cm de profundidade por ano para o lodo
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POR DIEGO BARRETO
Rio - Os primeiros raios de sol na Praia da Piedade, em Magé, sinalizam a hora de chegada e partida no pequeno cais. Apressados, pescadores empurram pequenas embarcações Baía de Guanabara adentro, enquanto outros atracam após uma noite inteira de trabalho. Dentro de pouco tempo, o mar vai secar e dezenas de barcos ficarão presos na lama.
Cansado depois de horas no mar, o pescador de siri Nilton Gomes, 49, recolhe numa caixa o resultado: menos de 10 quilos do crustáceo. Ele pula da canoa e, como se fosse terra firme, caminha sobre o lodo que já toma o lugar da água numa faixa que se estende por quase um quilômetro pela Baía.
“Passo a noite inteira para tentar pegar 10 quilos. Vendo cada quilo por R$ 1,50. O mar está secando, e os siris, sumindo. Além de pouco pescado, com essa lama na Baía, ficamos horas com os barcos presos até a maré subir. Só pescamos por algumas horas. No mar, agora a gente anda”, desabafa o pescador, que faz pequenos serviços para garantir o reforço da renda, que aos poucos parece secar como o mar.
A cena impressionante se repete em outros pontos da Baía de Guanabara, que, passados 15 anos do seu programa de despoluição, o PDBG, ainda recebe o despejo de 70% do esgoto doméstico sem tratamento de 16 municípios, num volume de 25 mil litros por segundo. Além do esgoto, lixo e resíduos industriais contribuem para o assoreamento — acúmulo de sedimentos no fundo da Baía — que, segundo especialistas, reduz até 3 centímetros ao ano sua profundidade. Pescadores relatam que hoje é possível caminhar, em pontos que antes tinham mais de 5 metros de fundo.
Baía reduzida a dois palmos
A Baía de Guanabara rasa alterou a rotina de quem tira dela o sustento. Os pescadores Fernando Rodrigues, 45, e José da Silva, 54, contam que a única forma de capturar os peixes é com o auxilio de currais (armadilhas de bambu fixadas no lodo que aprisionam os peixes). “Com rede de arrasto, as únicas coisas que vêm são lixo e lama”. Mesmo estando cerca de cinco quilômetros longe da Praia da Piedade, Fernando pula do barco e, com o mar abaixo da cintura, chega a um dos currais para iniciar mais um dia de trabalho.
“Aqui a profundidade já foi de mais de 5 metros. Agora, quando a maré seca, a gente fica encalhado com o barco na lama”, conta Fernando, que desde menino trabalha no mar e, aos poucos, viu a variedade de peixes diminuir. “Antes pegava arraia, linguado, pescada-amarela, muito camarão. Agora só vem tainha e corvina, os únicos peixes que sobrevivem na lama. Pegava até 100 quilos, hoje não vem nem 30, que vendo a R$ 3 cada”.
Na Praia de Tubiacanga, Ilha do Governador, o pescador Robson Beltrão Nascimento, 32, precisa desligar o motor e usar remos. A lama reduziu a Baía a dois palmos. “Tive que abandonar a pesca e trabalhar em obra. Não estava mais conseguindo levar pão para minhas filhas. Ainda saio para o mar porque ele está na minha alma, mas não pego nem 10 quilos de peixe. Para viver do mar, só indo para fora da Baía”, diz.
Zona morta, com zero de oxigenação
Diretor de Conservação da Biodiversidade do Ministério do Meio Ambiente, Bráulio Dias classifica a Baía como uma ‘zona morta costeira’ — área onde a quantidade de oxigênio disponível é menor do que 0,2 mililitro para cada litro d’água. “A Baía de Guanabara é uma das áreas mais degradadas da costa brasileira”, conclui.
Coordenador do programa de Pesquisa Ecológica de Longa Duração da Guanabara, Jean Valentin, professor de Biologia Marinha da UFRJ, explica que o assoreamento da Baía é resultado de problemas ao longo de décadas. “Aumento demográfico no entorno, desmatamento da bacia demográfica, com o carregamento de sedimentos para a Baía, e o aumento do lançamento de efluentes domésticos provocam a diminuição da coluna (profundidade) e do espelho (extensão) d’água”, detalha.
E explica: “Esse material orgânico acumulado pode levar o nível de oxigenação a zero em alguns pontos, tornando impossível a vida. Estima-se que a camada de sedimentos depositados no fundo da Baía Guanabara aumente até 3 cm por ano. Isso é preocupante, porque, em 50 anos, teremos um metro ou mais de lodo”.
O professor Marcelo Viana, do Laboratório de Biologia e Tecnologia Pesqueira da UFRJ, conta que, com base em relatos históricos de naturalista e pescadores, algumas espécies de peixes não vivem mais na Baía. “Sardinha-verdadeira, linguados, pescadas grandes, camarões e as garoupas já não são mais frequentes como eram”.

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