Terra Magazine
A Lei Cidade Limpa obriga os estabelecimentos comerciais e de serviços de São Paulo a redimensionar placas e letreiros das fachadas dos edifícios. A aplicação da lei vai revelar uma das faces da metrópole. Alguns letreiros e placas são tão grandes que o morador da cidade vê a publicidade e o nome de uma empresa onde deveria ver uma forma arquitetônica, com sua textura e cor.
A mudança da aparência já é alguma coisa. São Paulo se esconde nessas placas, algumas mais horrorosas do que as fachadas sem traço de arquiteto. Como nada mais me choca neste planeta que nos tocou morar, não fiquei surpreso com as declarações de um "arquiteto de fachadas". Fachadas de banco. Numa matéria do Estadão (03/04/2007, p. C8), esse arquiteto mencionou um livro de arquitetura comercial - "Aprendendo com Las Vegas" - e fez uma premonição estarrecedora:
"Há dois tipos de arquitetura comercial: a que aposta nos luminosos, decorando o imóvel como se fosse um bolo, e a que o autor (Robert Ventura) chama de duck (pato), em referência a um restaurante que vende pato e o prédio tem o formato da ave. Não que isso seja bonito, mas é um exemplo da arquitetura significativa. Penso que a cidade deverá recorrer ao duck".
Ao ler essa declaração, confesso que fiquei um pouco deprimido. Se for assim, prefiro São Paulo dark ou cinzenta a uma metrópole-pato. Quer dizer que teremos edifícios imitando perus, automóveis, hortaliças, macarrão, relógios, sapatos e pudins? A mercadoria tornou-se um fetiche tão poderoso que deverá transformar nossa arquitetura num mostruário horrivelmente kitsch? Ou seria um "monstruário" urbano?
Quando eu era estudante da FAU-USP, não aprendia com Las Vegas, e sim com os grandes arquitetos brasileiros e estrangeiros. Será que os projetos de Oscar Niemeyer, Joaquim Guedes, Vilanova Artigas, Severiano Porto, Paulo Mendes da Rocha, Ruy Ohtake, João Filgueiras Lima (Lelé) e tantos outros, vivos e mortos, famosos e desconhecidos, não podem inspirar grandes projetos de arquitetura? Todos eles fizeram projetos de arquitetura comercial, e nenhum recorreu a esse conceito fácil e vazio de "arquitetura significativa", que mais parece um mimetismo hiper-realista e grotesco entre a mercadoria e o edifício destinado a vendê-la.
A arquitetura é uma linguagem muito mais complexa que a mera imitação ou transposição de um "conceito". Um bom projeto depende do tipo de função a que se destina, da geografia e do clima do lugar, da paisagem do entorno, dos parâmetros técnicos e econômicos. Ou seja, depende de uma cultura, de uma tradição histórico-cultural das pessoas que vão morar ou trabalhar no edifício a ser construído. A opção plástica e formal do projeto surge a partir de um estudo exaustivo da cultura do lugar em que a obra será edificada.
Quanto ao pato, prefiro a tradicional iguaria francesa: canard à l'orange. Ou o magnífico pato ao molho de tucupi, que os leitores podem saborear nos bons restaurantes de Belém, esta bela cidade da Amazônia que, felizmente, está longe de aprender com Las Vegas.
Milton Hatoum é escritor, autor dos romances Dois Irmãos, Relato de um Certo Oriente e Cinzas do Norte.