Falta política de retirada de carros
Capital chega aos 7 milhões de veículos no início do ano
BRUNO RIBEIRO
A frota da cidade de São Paulo deve ultrapassar a marca de 7 milhões de veículos nos próximos 60 dias. Serão três veículos para cada cinco habitantes da cidade, considerando a população de 10 milhões de pessoas, segundo estimativa preliminar do Censo 2010, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Mas um fator planejado para melhorar a qualidade do ar pode jogar mais da metade dessa frota na ilegalidade. Estima-se que quase 60% dos veículos da cidade não fizeram a inspeção veicular e, por isso, não poderão fazer o licenciamento de 2011.
A cidade recebeu, em média, mais 27 mil veículos por mês ao logo do último ano. O aumento é de 4% em relação a 2009, mas de mais de 45% desde que o rodízio municipal foi criado, em 1997.
O crescimento maior, no último ano, ocorreu entre carros, motos e veículos utilitários. O número de ônibus é quase estável e o de caminhões caiu 3,2%, de acordo com o Departamento Estadual de Trânsito (Detran). Porcentualmente, o crescimento maior foi o de motos, de 7,3% (58 mil a mais). Entre os carros, o aumento foi de 3,2% (mais 157 mil automóveis).
Segundo especialistas, há dois fatores que explicam a frota tão grande: primeiro, a péssima qualidade do transporte público. Segundo, as vantagens oferecidas pelo governo federal para a compra do carro zero – uma estratégia para combater a crise econômica do ano passado. “Os governos federal e estadual têm de dar as mãos e construir pelo menos mais 100 km de metrô”, diz o professor de engenharia de trânsito da Fundação Educacional Inaciana (FEI) Creso de Franco Peixoto.
Se toda a frota ilegal fosse tirada de circulação, não haveria onde colocar tantos veículos. Os pátios da cidade somam 4.750 vagas – déficit de mais de 4 milhões. Confirmadas as expectativas, se a frota ilegal fosse colocada em fila, seria possível percorrer a distância entre a São Paulo e Rio de Janeiro (446 km ), ida e volta, por 18 vezes.
Inspeção
Em 2011, a inspeção veicular ambiental vai ser obrigatória para toda a frota pelo segundo ano consecutivo. Será a primeira vez que o licenciamento do carro já vai estar bloqueado em janeiro para quem não fez a inspeção do ano anterior.
Dados da Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente mostram que as punições (o bloqueio e uma multa de R$ 550 para os infratores) não têm sido suficientes para que a inspeção ocorre em massa. Até outubro, 5,6 milhões de veículos tinham de fazer a vistoria. E apenas 2,2 milhões, ou 40% , fizeram.
As justificativas de quem não regulou o carro variam. O tecnólogo em informática Alfredo Henrique Bucceri, de 31 anos, fez a inspeção veicular do seu Fiat Palio Weekend em 2009, mas ainda não fez a deste ano, embora a placa do carro seja final 3. “Acho muito importante fazer. Fui uma vez, dentro do prazo ainda, mas acabei reprovado e ainda não consegui remarcar”, afirma. Ele garante que fará a inspeção até o fim do ano. Já o eletricista Armando Tieppo Filho, de 42, abriu mão do exame nos últimos dois anos. “Tá errado, eu sei. Mas é que só ando com o carro aqui pelo bairro (Casa Verde)”, relata . “Vou arrumar a documentação para passar o carro pra frente”, diz, referindo-se a um Ford Fiesta branco.
O diretor-presidente da Controlar, empresa que faz a vistoria na capital, Harold Peter Zwetkoff, diz que a empresa trabalha com o dado de que 25% da frota já estaria irregular e não fará a inspeção. Ele espera fechar o ano com 4 milhões de inspeções realizadas. <HS1><SC580,58><SC580,58>
PM e Prefeitura dividem fiscalização
Prefeitura e Polícia Militar dividem a responsabilidade de fiscalizar a frota a respeito da inspeção veicular ambiental. Só a Prefeitura pode multar os motoristas que driblam a vistoria, enquanto só a PM pode recolher os veículos que estão circulando sem ter feito o licenciamento.
A Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente diz ter aplicado 440 multas neste ano. Na semana passada, a pasta disse que os radares de trânsito também emitiriam essas multas – o que deve aumentar esse número.
A PM diz ter recolhido 5.279 carros em ações de fiscalização neste ano. Os veículos recolhidos são encaminhados para três pátios da Prefeitura, localizados nas zonas leste, norte e sul. Segundo a PM, o convênio permite o envio de 420 carros por dia aos pátios, que são gerenciados pela Companhia de Engenharia de Tráfego (CET). Já a CET, também em nota, diz que os carros enviados pela PM só podem ficar 30 dias nos pátios, depois têm se ser retirados. Segundo a CET, os carros recolhidos por infrações de trânsito podem ficar por 90 dias nos pátios da companhia. Depois, se não forem retirados pelos proprietários, podem ser leiloados.
Ainda é possível fazer a inspeção referente a 2010
Mesmo carros fora do prazo estipulado pela Prefeitura ainda podem fazer a inspeção ambiental veicular.
O limite é até o fim de dezembro. A Controlar, empresa contratada pela Prefeitura para fazer a inspeção, promete que haverá vagas mesmo para quem deixar para marcar horário no último instante.
O diretor-presidente da empresa, Harold Peter Zwetkoff, diz que a empresa realiza entre 14 mil e 16 mil inspeções por dia. A capacidade instalada, diz ele, permite fazer até 30 mil vistorias por dia. No ano passado, em dezembro, houve filas de última hora. “O que pode acontecer é a pessoa não conseguir marcar a inspeção no centro que ela quiser nem no horário mais conveniente”.
O agendamento tem de ser feito pelo site da Controlar (
www.controlar.com.br). A taxa é de R$56,44. Os dias onde há maior procura por vagas é no sábado.
Falta política de retirada de carros
Além da falta de um transporte coletivo confiável e confortável e dos estímulos dados pelo governo federal para a compra de carros novos, o professor de engenharia de trânsito Creso de Franco Peixoto, da Fundação Educacional Inaciana (FEI), diz que o crescimento da frota de veículos da capital também se deve à falta de uma política de retirada de circulação dos veículos mais antigos.
Segundo Peixoto, são justamente os veículos mais antigos que poluem mais. “Um carro dos anos 1980 emite 15 vezes mais poluentes que um dos anos 1990”, diz ele. Há duas décadas, o catalizador – peça que diminui a emissão dos poluentes – não era item obrigatório nos automóveis.
O professor diz que a discussão deveria ser a cerca de mudanças na lei. “O carro que vale R$ 2 mil não pode rodar com R$ 20 mil em dívidas. Ele deveria ser expropriado e, em um prazo de 15 dias, ir para o compressor. No Japão é assim e funciona”, argumenta.
Fora isso, ele defende um controle maior das motos, que se apresentam como uma forma atrativa de escapar do congestionamento – e estão envolvidas em acidentes de maior gravidade.
Outro especialista, o mestre em engenheiro de trânsito pela USP Sergio Ejzemberg, diz que o que ocorre hoje “é quase uma desobediência civil” ao descrever as abstenções à vistoria. Ele diz que os critérios estabelecidos pelo poder público podem contribuir para o cenário. “Um carro relativamente novo pode não passar. Aí o motorista vê um ‘pau velho’ do lado ser inspecionado e passar”, diz, ao explicar que há variações entre os níveis de emissão de poluentes aceitáveis de acordo com o ano e modelo do veículo. “Esse tipo de inspeção, tal como é feita, fere o bom senso”, completa.
Ambos os especialistas, porém, defendem que os carros passem por algum tipo de inspeção ambiental.
Colaborou Tiago Dantas
http://blogs.estadao.com.br/jt-cidades/falta-politica-de-retirada-de-carros/