Manuel Salgado admite que alterações ao Plano de Pormenor das Antas podem anular aprovação dada ao projecto do shopping Dolce Vita. Câmara já negou qualquer violação
A aprovação pela Câmara do Porto do projecto do centro comercial Dolce Vita, em funcionamento nas Antas, e do hotel em construção pode ser anulada. É, pelo menos, a convicção de Manuel Salgado, autor do Plano de Pormenor das Antas (PPA), que, em Maio, acusou a autarquia de viabilizar construções que violam o PPA. As "alterações nas cotas das coberturas do shopping", a execução de mais dois pisos nos edifícios do hotel e de habitação acima do que estava projectado e a substituição do terraço ajardinado do centro comercial Dolce Vita por uma área técnica a céu aberto são as violações, apontadas pelo arquitecto, no pedido de investigação à Inspecção-Geral de Administração do Território (IGAT).
Em carta datada do passado dia 3 de Maio, a que o JN teve acesso, Manuel Salgado especifica as "alterações" que, na sua perspectiva, adulteram o PPA, "pondo em causa o seu bom nome enquanto autor" do documento. O arquitecto admite que configurem "uma situação de violação de direitos de autor e de nulidade na aprovação do projecto duma obra que está em vias de ser concluída", pode ler-se ainda. Foi na primeira sessão do julgamento, que opõe o socialista Nuno Cardoso ao presidente da Câmara do Porto, Rui Rio (também em Maio), que o arquitecto apontou o dedo ao desrespeito do PPA, sem referir as mudanças em causa. Hoje, as razões são conhecidas.
Acessos foram alterados
A Câmara Municipal do Porto já negou a existência de qualquer irregularidade na obra (ler caixa). Aliás, fê-lo também junto do arquitecto.
Após uma reunião, realizada em Janeiro deste ano, com os serviços técnicos da autarquia (pediram ao arquitecto para introduzir mudanças no Plano das Antas devido "às alterações já introduzidas em obra no complexo do shopping e do hotel", mas o pedido foi recusado), Manuel Salgado escreveu uma carta a Rui Rio. Então, justificava a recusa.
"Não estou disponível para alterar um plano que passou por um longo crivo de avaliação pública, e de que tecnicamente me orgulho, para branquear irregularidades cometidas", esclareceu, ainda em Janeiro, Manuel Salgado, alertando o presidente para a possibilidade do acto de deferimento do projecto ser nulo. "Através de uma informação errada dos serviços, foi licenciada uma obra que contraria um plano aprovado e publicado, com manifesto benefício do requerente" , indica, também na missiva, considerando que "se terá verificado um acréscimo da área de construção de alguns milhares de metros quadrados".
Face à dúvida, a Câmara reanalisou ao processo com "averiguações internas e externas" e, em Abril passado, informou o arquitecto do "integral cumprimento dos normativos urbanísticos no que ao Plano de Pormenor das Antas diz respeito". Foi essa resposta que levou Manuel Salgado a solicitar a intervenção da IGAT e da Comissão de Coordenação e de Desenvolvimento Regional do Porto. Recorde-se, no entanto, que tanto a autarquia portuense como o projectista do hotel e do centro comercial, Ginestal Machado, negaram, já em Maio, e após contacto do JN, a existência de qualquer irregularidade.
Aliás, o Município admitiu que apenas as vias não foram executadas de acordo com o Plano das Antas, até por determinação do antigo Instituto das Estradas de Portugal. Então, a autarquia defendeu que, se as vias fossem concretizadas tal como estavam desenhadas no plano, originariam problemas de circulação. Como o PPA só pode ser alterado três anos após a publicação em Diário da República, as vias executadas são vistas como acessos provisórios, até que seja permitida a introdução de mudanças.
Plantas do PPA com cotas de cobertura diferentes
As plantas do Plano de Pormenor das Antas (PPA) apresentam valores distintos para as cotas de cobertura dos edifícios. A constatação é feita num ofício da Divisão Municipal de Edificações Urbanas da Câmara do Porto, no momento de apreciação do projecto de arquitectura do complexo do centro comercial Dolce Vita, habitação e hotel, nas Antas.
O documento municipal, datado de 7 de Janeiro de 2003, a que o JN teve acesso, refere que as "várias peças desenhadas [do Plano das Antas] propõem cotas altimétricas diferentes para a parcela 4.2", onde foi executada parte do complexo, nomeadamente o hotel. No ofício, indica-se, ainda, que a planta de trabalho refere uma cota de cobertura inferior às das plantas de condicionantes e da estrutura verde. Como o regulamento do Plano das Antas previa, no artigo 19º, que a "distância piso a piso pode aumentar até 3,4 metros, caso venha a construir-se um hotel", a autarquia optou pelo valor superior de cota de cobertura, inscrito em duas plantas. Face às "discrepâncias", os serviços da Câmara entenderam promover a "harmonização dos valores propostos", de modo a não penalizar o projecto. E será esta a principal razão para a contestação do arquitecto Manuel Salgado, que levou à queixa na IGAT.
Fonte:
JN