O inglês Richard Burdett, responsável pelo projeto urbanístico dos Jogos de Londres, diz a ÉPOCA que os chineses não pensaram em fazer das Olimpíadas uma oportunidade para resolver problemas de áreas degradadas de Pequim.
Conselheiro-chefe de Arquitetura e Urbanismo das Olimpíadas de Londres, em 2012, o inglês Richard Burdett teme que as Olimpíadas de Pequim, que começam em três meses, estejam seguindo o mesmo rumo de Atenas-2004 e terminem com uma cidade repleta de estruturas imponentes, mas sem utilidade para seus habitantes.
Em entrevista a ÉPOCA, o arquiteto, professor da London School of Economics e diretor do Urban Age, ciclo de palestras que discute o futuro de grandes cidades, afirma que a China não optou por usar as Olimpíadas como uma forma de resolver os problemas urbanos de Pequim, uma das cidades mais populosas do mundo, com 17 milhões de habitantes.
ÉPOCA - Conceituados urbanistas defendem que os Jogos Olímpicos sejam usados como forma de modificar a realidade da cidade-sede, como ocorreu especialmente com Barcelona, em 1992. O senhor acredita que Pequim segue por esse caminho?
Richard Burdett - Os Jogos de Pequim não estão sendo feitos para unir os problemas sociais e físicos de uma área complicada da cidade, como em Barcelona e como tentaremos fazer em Londres em 2012. Esta não é a visão que eles [os chineses] escolheram.
ÉPOCA - Qual é o principal problema urbano de Pequim que poderia ser melhorado com a realização dos Jogos?
Burdett - Pequim foi concebida de uma forma muito diferente da minha visão européia de cidade, mas com a qual a cultura chinesa sabe como conviver. O modo como as casas são feitas na cidade, que vem de antes dos Jogos, é algo muito problemático, e em 10 ou 15 anos será muito, muito pior. Mas a linguagem que eu uso não é a usada pelos planejadores de Pequim, que constroem as residências de uma forma muito rígida, para responder a uma explosão econômica impressionante.
ÉPOCA - Pequim deve se destacar por construções imponentes. Isso será bom para a cidade?
Burdett - Por conta das transformações econômicas e políticas pelas quais passou, Pequim não teve tantas construções modernas feitas nos últimos 20 ou 30 anos. Assim, o fato de ter um estádio para 80 mil pessoas e um complexo de esportes aquáticos, que hoje não existem, será muito importante, mas do ponto de vista urbano certamente não poderá se comparar a Barcelona. Isso porque as principais instalações estão no norte, entre o terceiro ou quarto anéis viários [a área urbana de Pequim é formada por seis anéis viários], onde não há uma concentração populacional muito grande.
ÉPOCA - O senhor acredita que o estádio olímpico, conhecido como Ninho do Pássaro, e o complexo aquático, o Cubo D'Água, construídos praticamente lado a lado, podem ajudar a modificar o entorno do local onde estão?
Burdett - Apesar de ser arquiteto e admirador dos arquitetos que projetaram o Ninho do Pássaro [os suíços Jacques Herzog e Pierre de Meuron, também responsáveis pelo Allianz Arena, em Munique, usado na Copa do Mundo de 2006], não acho que uma construção, por mais bonita que seja, possa mudar as coisas sozinha. Claro que pode virar uma atração, mas se isso estiver no meio do nada....O Ninho do Pássaro e o Cubo D'Água serão as duas estrelas de Pequim, mas eu não sei o que vai ocorrer lá duas semanas depois dos Jogos.
ÉPOCA - Qual problema urbano Londres pretende resolver com a realização das Olimpíadas?
Burdett - Londres é uma cidade organizada horizontalmente. Falando em termos gerais, a oeste está a classe média e os ricos e tudo o que há a leste é pobre. A razão é que, há 100 anos, a classe trabalhadora se concentrava no leste, mas há 40 anos os portos fecharam e, em 10 ou 20 anos, 1 milhão de empregos foram perdidos. É lá que vai ficar a vila olímpica. A idéia é que o investimento, de £ 9 bilhões, transforme completamente essa parte leste de Londres. No meu cargo, devo me preocupar não se o estádio ou ginásio é bonito, mas no seu papel para cidade. A arena pode ter uma escola junto com ela? Pode criar instalações para as famílias que virão a usá-las depois dos Jogos e para as que já estão na região?
ÉPOCA - Então realizar os Jogos é preparar a cidade para o futuro?
Burdett - A coisa mais importante de eventos como a Copa do Mundo, as Olimpíadas ou Jogos Pan-Americanos não é pensar nas duas semanas de disputa, mas sim no que acontece a partir do dia em que o evento acabar. Era preciso achar a integração entre ícones como esses e a consciência sobre como serão usados ao longo do tempo. Como serão usados em uma tarde fria de inverno, por exemplo?
ÉPOCA - O lema das Olimpíadas de Londres é "usar o poder dos Jogos para inspirar mudanças". Onde essas mudanças estarão? Em Londres, na Inglaterra ou no mundo todo?
Burdett - Eu seria bem modesto. Se tivermos sucesso em mudar uma pequena parte do leste de Londres, teremos feito muito. Afetará a vida de 300 mil ou 400 mil pessoas e seu filhos e netos. Mas não há dúvida de que Londres, por ser a cidade que é, se você fizer algo bem, as pessoas olham e copiam. Mas não é por aí que se começa. Não estamos fazendo esse trabalho para ter reconhecimento. Estamos fazendo para melhorar aquela região.
ÉPOCA - O Rio de Janeiro está concorrendo para sediar os Jogos de 2016 [disputa com Baku (Azerbaijão), Chicago (EUA), Doha (Catar), Madri (Espanha), Praga (República Tcheca) e Tóquio (Japão)]. O senhor considera uma ambição muito grande diante das deficiências da cidade?
Burdett - De forma alguma. Nenhuma cidade é um desastre, mas sim a forma como ela é administrada. Não sei se esse é o caso do Rio [a administração ruim], mas há muitos problemas, áreas muito difíceis, como as favelas

. Só que o Brasil é um país com designers, urbanistas e
políticos muito sofisticados:lol:. Vocês devem começar por aí. Seria ótimo para cidade, desde que não queiram construir cinco estádios e esquecer todo o resto.
Link da reportagem:
http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EDG83668-5856-521,00-OLIMPIADA+NAO+VAI+MUDAR+A+CARA+DE+PEQUIM+DIZ+ARQUITETO+DE+LONDRES.html