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Salvemos a Casa Saloia

21107 Views 59 Replies 6 Participants Last post by  JoãoBatista


"O valor de cada construção histórica não está apenas na aparência de elementos isolados, mas também na integridade de todos os seus componentes, como um produto único da tecnologia de construção específica do seu tempo e do seu local.

Desta forma, a remoção das estruturas internas mantendo apenas as fachadas não se adequa aos critérios de conservação."

Recomendações do Comité Cientifico Internacional para a Análise e Restauro de Estruturas do Património Arquitectónico (ICOMOS)
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"De acordo com as informações de Carlos Andrade Teixeira, ilustre Cascalense, a Casa dos Expostos de Cascais teria sido criada no ano de 1822, recebendo no dia 27 de Julho uma primeira criança do sexo masculino, que foi posteriormente baptizada com o nome de Prudêncio e que viria a falecer um ano mais tarde.

A casa onde funcionava a "Roda", situava-se numa pequena edificação saloia na Travessa da Nazaré, e que ainda hoje existe embora muito alterada na sua formulação urbanística original, e estava munida de uma roda de madeira, que girava em torno de um eixo central, de modo a que as crianças enjeitadas pudessem ser colocadas no seu interior, sem qualquer espécie de identificação da pessoa responsável pelo acto. Depois, as crianças passavam rapidamente para as mãos de uma ama que as recolhia e que, a expensas do estado, promovia a sua educação durante os primeiros anos de vida.

As amas de Cascais, também elas figuras humildes e dedicadas ao ofício pelas necessidades financeiras, tinham obrigatoriamente de ser moças casadas e minimamente preparadas para o desempenho das suas funções, tal como se pode ler no despacho geral do intendente: «[...] moça casada, fecunda, bem constituída e aceada, a qual se conservará enquanto for possível;».

Se do ponto de vista psicológico o abandono de crianças nos últimos anos do século XVIII parece ser um aspecto ímpio da vivência portuguesa, por outro a instituição da Casa dos Expostos ou da Roda, é também ela evidenciadora de um sentido novo que emanava dos órgãos de estado portugueses. Estas crianças, que ganhavam assim uma oportunidade para se manterem vivas, embora em condições de extrema pobreza, estavam destinadas quase sempre a uma morte a prazo. Os cuidados de saúde daquela época, bem como a motivação que levava à candidatura das amas àquele cargo, determinava quase sempre a morte prematura do abandonado, que se sujeitava, sem que qualquer culpa lhe fosse formulada, a todas as vicissitudes que ordenavam a vida da Rodeira. Este problema, indiciador de uma certa sensibilidade por parte das entidades públicas Portuguesas, é também ele evidenciador de outras questões: Como é óbvio, a preocupação fica certamente a dever-se ao elevado número de crianças abandonadas, evidenciando um clima de instabilidade moral que grassava no País nessa época...





Numa perspectiva patrimonial, e porque a Casa da Roda de Cascais ainda se mantém no seu sítio, importante seria a recuperação integral daquele espaço. A manutenção da antiga Roda no centro da vila, indiciadora de todos os problemas económico-sociais anteriormente mencionados, é um excelente exemplo crítico de uma sociedade que não se encontra ainda muito longe de nós e que poderia contribuir para o reforço da atractividade da Vila de Cascais.

As características arquitectónicas do imóvel, perfeitamente enquadráveis na tipologia corrente no núcleo histórico da vila de Cascais, permitiram a subsistência de uma componente da memória colectiva que muitas vezes é delegada para segundo plano. A compreensão da história do município Cascalense, bem como da forma como se constituíram, programaram e delimitaram as funcionalidades urbanísticas deste espaço, ficaram a dever-se a componentes sociais e psicológicas que são levadas em conta na sua constituição e que poderiam ajudar-nos a perceber melhor a forma como funcionava a estrutura social desta nossa terra.

O centro histórico de Cascais, com as ruelas envolvidas em sombras escuras e húmidas, é o resultado da interacção da geografia, do urbanismo pré-existente, mas também dos condicionalismos sociais que deram forma à comunidade Cascalense.

Desconhecida por quase todos, a Casa dos Expostos de Cascais é um exemplo da potencialidade patrimonial deste concelho, desaproveitada e tristemente votada a uma anomia que tanta insatisfação latente vai consolidando em torno de um identidade há muito deturpada pelos interesses específicos e particulares daqueles que nos governam."

Fonte do texto : http://portugalidade.blogspot.pt/2014/11/a-casa-dos-expostos-de-cascais_10.html


Fonte da imagem : https://pt.slideshare.net/nazaretebarros/os-desamparados
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Estou indecisa.

No fundo, não sou contra a modernização na construção e há construções antigas que pouco têm de relevo que valha a pena ser recuperado. (Embora me custe dizê-lo).

Pessoalmente tenho ideia que talvez fosse melhor manter a construção original o mais que for possível, optando por introdução de novos elementos apenas quando absolutamente necessário.

Tenho um certo respeito por casas com história, o que talvez me dificulte ter empatia pelo fachadismo, por exemplo, entre outras correntes de suposta adaptação às actuais vivências ou exigências de habitação actuais (também isto me parece altamente discutível, as exigências de habitação actuais: Medidas contra..?)

A casa antiga remodelada aos padrões modernos deixa de poder contar a sua história e passa ao anónimato, como aconteceu à casa da roda dos expostos de Cascais, por exemplo. Parece-me um perda irremediável, que não sei se vale a pena a troca.
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Praça das Flores, uma jóia de Lisboa, vai mudar de figura

Lisboa vai ter um pequeno edifício de habitação projectado por Souto de Moura. A sua aprovação pelo vereador do Urbanismo contrariou pareceres dos seus serviços. As mesmas normas que servem a uns para rejeitar o projecto, servem a outros para o aprovar.
JOSÉ ANTÓNIO CEREJO
21 de Fevereiro de 2016
O vereador do Urbanismo da Câmara de Lisboa, Manuel Salgado, aprovou no Verão passado um projecto do arquitecto Souto de Moura que vai romper a homogeneidade de um dos mais apreciados espaços públicos da cidade — a Praça das Flores, entre o Palácio de São Bento e o Príncipe Real. “A arquitectura, como qualquer das outras artes, tem esta espantosa característica de, perante uma intervenção, podermos ter vários olhares e todos eles válidos.” Foi assim que o director municipal de Urbanismo justificou a proposta de aprovação, rejeitando o indeferimento defendido pelos seus serviços.

O projecto assinado por Souto de Moura, o segundo arquitecto português a ser galardoado com prémio Pritzker, a seguir a Siza Vieira, assemelha-se fortemente a um outro do mesmo autor já construído na Rua do Teatro, no Porto. Trata-se, no caso de Lisboa, de um edifício de habitação de cinco pisos, cuja construção obrigará à demolição do prédio de rés-do-chão e primeiro andar, com águas furtadas, actualmente existente.

De acordo com a memória descritiva do projecto, o edifício a demolir encontra-se “em elevado estado de degradação” e “é dissonante da envolvente, não tendo qualquer tipo de classificação oficial e não representando nenhum testemunho importante da história da Arquitectura Portuguesa”. Já o edifício aprovado pela câmara terá, nas palavras de Souto de Moura, “uma linguagem arquitectónica actual, fazendo a ligação com a escala dos edifícios vizinhos, através da diferenciação entre os dois volumes propostos, com diferente largura, altura e profundidade dos vãos”.

O arquitecto acrescenta que “também o material de ensombramento, lâminas de alumínio e tela de rolo exterior se propõe diferenciado para garantir uma inserção com a escala da rua”. Exteriormente, para lá do vidro a toda a largura da fachada e do alumínio, os materiais mais visíveis serão os perfis de ferro que revestirão a estrutura de betão armado e que tentam “recuperar as varandas metálicas do século XIX”.

Serviços queriam indeferir
Contrariamente ao autor do projecto, a apreciação técnica do Departamento de Projectos Estruturantes da câmara sustenta que o prédio existente não representa qualquer dissonância no contexto da praça, mas que ela será introduzida pelo edifício proposto. “Não estando em causa a qualidade do projecto apresentado, com volumetria e altura de fachada que não ultrapassam a média das alturas da frente edificada, considera-se que o desenho proposto para o alçado, o último piso recuado, as dimensões e características dos vãos e dos dispositivos de ensombramento, assim como as varandas reentrantes, não possuem qualquer relação com a linguagem arquitectónica dos edifícios confinantes, nem referências nas composições arquitectónicas dominantes no conjunto da Praça das Flores em termos morfológicos e tipológicos”, lê-se na informação técnica que obteve a concordância do chefe de divisão e do director de departamento.

De igual modo, os serviços camarários divergem de Souto de Moura, quando este afirma, para defender a demolição do actual edifício (nºs de polícia 10 a 12), que ele não tem “nenhuma característica morfológica ou elemento singular que o distinga”. Pelo contrário, defendem a arquitecta autora da informação e as chefias intermédias. O edifício em questão “possui características arquitectónicas com relevância tais como a composição simétrica, a trapeira com grande presença, o beirado à portuguesa, os cunhais de pedra, os vãos de sacada com varanda, etc,, que garantem uma integração equilibrada no conjunto homogéneo das edificações que definem urbanisticamente a Praça das Flores”.

A nova construção aprovada por Manuel Salgado ocupará não só a área de implantação do edifício a demolir (157 m2), como o pequeno logradouro anexo, separado do passeio por um muro com duas falsas portas emparedadas, sendo o rés-do-chão afecto à entrada e garagem. Nos pisos superiores será criado um T1 e dois T2, um dos quais ocupará também o último piso (recuado). Ao invés dos restantes edifícios da rua, este não terá telhados, sendo as coberturas “revestidas a mosaico hidráulico à cor da telha, de modo a garantir a continuidade com as coberturas características da cidade de Lisboa”.

Avaliando globalmente o projecto de Souto de Moura, a técnica responsável pela sua apreciação concluiu que, “não se questionando a contemporaneidade e o interesse da solução proposta, com capacidade para se relacionar e qualificar outros contextos urbanos [aludindo provavelmente ao difício da Rua do Teatro], não se consideram reunidas as condições para a valorização arquitectónica e urbanística da área e do conjunto edificado em que se integra, contrariando-se o disposto no nº 1 do artº 42º do Plano Director Municipal”.

De acordo com este preceito do PDM, “as obras de construção, ampliação e alterações têm que se enquadrar nas características morfológicas e tipológicas dominantes no arruamento em que o edifício se localiza e contribuir para a respectiva valorização arquitectónica e urbanística”.

Atendendo não só a este incumprimento, mas também a outros relativos, designadamente, a alinhamentos de pisos e vãos com os edifícios confinantes, ocupação do logradouro e requisitos da admissibilidade de demolições, a mesma técnica propôs a não aprovação do projecto, obtendo a concordância dos seus superiores imediatos.

PDM serve para indeferir e aprovar
Já o Director Municipal de Urbanismo, Jorge Catarino Tavares, no topo da hierarquia, vê a questão por outro prisma, estribando-se exactamente no mesmo nº 1 do artº 42º do PDM, e noutros em que os seus serviços basearam a proposta de indeferimento, para propor a aprovação. “É uma solução interessante e original em intervenções recentes, que se socorre de uma tipologia pouco comum mas conhecida da cidade; enquadra-se na volumetria da praça; constitui uma valorização arquitectónica e urbanística da praça; e consegue manter o plano de alinhamento das fachadas (...)”, considera o director municipal.

Catarino Tavares sustenta igualmente que o edifício existente constitui uma “excepção” na praça em termos volumétricos e que, dada a sua dimensão, “a ampliação só o iria descaracterizar”. Por outro lado, acrescenta, “a sua simples recuperação, com eventual alteração do corpo adjacente, não altera, mas também não requalifica a frente urbana”. Quanto a esta hipótese, afirma que se trata de “uma solução possível mas pouco provável, pois não estamos perante uma adaptação às actuais exigências mediante um investimento razoável face ao seu valor patrimonial”.

O director municipal observa que a proposta “foi bastante debatida” na Comissão de Apreciação Conjunta criada pela câmara e pela Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC), que foi chamada a pronunciar-se devido ao local se situar na Zona de Protecção Especial do Bairro Alto, classificado como Conjunto de Interesse Público. No entanto, refere, “após algumas alterações foi aceite”, por se entender que ela é “em termos de volume e escala, adaptada à situação da praça”.

Face à contradição entre esta leitura e a do Departamento de Projectos Estruturantes, o despacho de Catarino Tavares, sob a forma inabitual de “informação” dirigida ao vereador, realça que sobre uma mesma obra arquitectónica é possível haver “vários olhares e todos eles válidos”. Referindo-se concretamente ao projecto de Souto de Moura, acrescenta: “Se partirmos do princípio que o edifício existente e o corpo anexo são relevantes no contexto da praça, então a análise efectuada pelos serviços é coerente e, efectivamente, não se verificam algumas das condições colocadas pelo PDM, Se, por outro lado, entendemos que, pese embora o edifício existente date da mesma altura da maioria dos edifícios da praça e possua uma composição coerente, mas que não é relevante na composição da praça e tão somente de acompanhamento, então esses factos não são condição necessária e suficiente que justifiquem, de per si, a sua manutenção ou recuperação”.

No mesmo dia 20 de Julho do ano passado em que o director municipal propôs a aprovação do projecto, Manuel Salgado assinou o respectivo despacho de aprovação, sem nada acrescentar à “informação” de Catarino Tavares.

A favor e contra
Favorável à decisão camarária de aprovar o projecto, mostra-se Ana Vaz Milheiro, professora de arquitectura. “Há uma quebra com o que a praça possa aparentar, mas em relação ao que lá está é um ganho”, afirma. Há situações em que a demolição “se reveste de perda de valor” para a cidade. Neste caso, porém, “apesar de ser um edifício antigo, isso não acontece”.

Na opinião da também crítica de arquitectura do PÚBLICO, além de ser assinado por um grande arquitecto, o projecto do edifício a construir “é bem desenhado, as proporções são correctas e não vai mudar as características do lugar”. Ana Vaz Milheiro sustenta que o projecto “não é agressivo, nem intrusivo” em relação à envolvente. “Não destrói nenhum valor patrimonial existente, é uma proposta culta”.

A arquitecta admite que o facto de se tratar de “uma linguagem assumidamente contemporânea”, de “uma arquitectura de lajes e de superfícies”, pode “chocar o senso comum”, mas afirma que “daqui a 20 anos será bem assimilada”. O que Souto de Moura não faz, considera a crítica, “é imitar” o que está ao lado. “É uma posição ideológica em relação ao património. Ele assume que é uma arquitectura contemporânea, mas tem a sensibilidade de manter a escala do que ali está”.

Do outro lado da barricada, encontra-se Fernando Jorge, arquitecto e membro do movimento Fórum Cidadania Lisboa. Sem questionar “a competência e qualidade do projectista, assim como do projecto de arquitectura enquanto ‘objecto de arte contemporânea’”, Fernando Jorge manifesta-se abertamente contra “a forma como este tipo de proposta de intervenção na ‘cidade histórica’ é tratado pelo pelouro do Urbanismo da Câmara de Lisboa e pela DGCP”.

Se o PDM e a Lei do Património aceitam a “cidade histórica” como valor colectivo, “porque razão a câmara e a DGPC aprovam cada vez mais a demolição destes edifícios” com base em ”julgamentos de valor”?, questiona. “Será uma espécie de inquisição do gosto? E quem decide o gosto para a arquitectura na cidade?”

No seu entender, “estes edifícios que estão a desaparecer são anónimos e é por isso mesmo que são importantes — porque nos definem”. Trata-se de edifícios “tão significativos como os ‘monumentos’ na caracterização da nossa cultura arquitectónica e urbanística.” Comentando a o facto de o director municipal afirmar que “podemos ter vários olhares e todos eles válidos”, Fernando Jorge pergunta: “É este o critério usado para justificar o injustificável e legalizar o ilegal? Face ao valor colectivo, face aos pareceres internos da câmara de não aprovação, as chefias decidem que pode ser aprovado porque têm esse ‘olhar’ iluminado?”

O actual proprietário do lote é a sociedade imobiliária Greenparrot, controlada por Henry Youssef Chedid, um importante homem de negócios e político libanês de 82 anos, que, juntamente com um filho, está a desenvolver vários projectos imobiliários em Portugal.



Fonte : https://www.publico.pt/2016/02/21/l...ma-joia-de-lisboa-vai-mudar-de-figura-1723893
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O tópico é Salvem a Casa Saloia, concentrar-se-á na zona de Estoril e Cascais.

E penso também noutras arquitecturas sem ser as populares.

E penso no nosso mindset sobre restauro, recuperação..
Este projecto é uma barbaridade. Algo que pensávamos estar confinado às massacradas avenidas novas está a chegar aos bairros mais antigos...
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Este projecto é uma barbaridade. Algo que pensávamos estar confinado às massacradas avenidas novas está a chegar aos bairros mais antigos...
Acabei de ver o projecto para a nova Praça de Touros em Cascais aqui no fórum.
Outra coisa bárbara.


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Aos poucos a apagar a memória colectiva de quem somos, e a trocá-la por outra de quem não somos.
Mexe inclusivamente na etnologia dum povo; os hábitos, costumes, gostos, tradições, habitação..É um não valorizar da História, dos lugares, das gentes. Como se não tivessem um valor que merecesse ser transportado para o futuro, até para não nos perdermos por entre a massa anónima da globalização.
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Para já não falar da pequena reabilitação, feita por particulares a casas antigas, de forma, nem sempre, mas, muitas vezes, errática. O valor da casa antiga está precisamente em deixá-la ser o que é.
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Lisboa: Conservar e Reabilitar os Bairros Históricos
V. Cóias e Silva, Presidente do GECoRPA

Ao que parece, o nosso país sai, finalmente, de um ciclo de construção nova para encetar uma fase em que se pretende que a reabilitação das construções existentes tenha a primazia.

Durante mais de uma década, o ritmo de construção nova foi alucinante: uma habitação de 5 em 5 minutos, dia e noite, sábados, domingos e feriados. Hectares e hectares dos nossos melhores solos foram betonizados e neles nasceram à pressa, por obra e graça de uma legião de construtores-promotores, milhares de novos blocos de apartamentos.

Seduzidos pelas campanhas milionárias dos bancos, onde é tudo facilidades, e pelos "vídeo-porteiros", "sons-ambientes" e "halls de mármore" dos construtores-promotores, a juventude deste país empenhou-se para o resto da vida para comprar, a preços muitas vezes exorbitantes, habitações de qualidade e durabilidade duvidosas.

Foi um festim de vários anos em que uns quantos ganharam à custa de muitos outros perderem. Mas foi um festim, sobretudo, para os que, ignorando as regras da arte e os requisitos da qualidade, construíram a eito os tais apartamentos de "encher o olho", onde, ao fim de pouco tempo, os defeitos e insuficiências começam a vir ao de cima. É que construir parece fácil, mas não é, se se quiser construir com qualidade.

E se construir bem já não é fácil, reabilitar a sério ainda o é menos. Reabilitar construções existentes é muito mais complicado do que construir a partir do zero. Exige materiais e tecnologias muito diferentes da construção nova. Acresce que grande parte do nosso edificado é bastante antigo, e foi construído por técnicas, entretanto, abandonadas, em favor do betão armado. A anatomia e a patologia desses edifícios é desconhecida dos construtores de hoje. (...)



Fonte e continuar a ler em: http://www.gecorpa.pt/revista_edicao.aspx?idr=26
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Ainda assim, continuo indecisa.

Entre reabiltação a gosto (em que gosto ou ao gosto de quem sendo sempre uma variável discutível..) ou deitar abaixo para construir novo..?

Talvez prefira a primeira, mas não sei se posso dizer isto de forma generalista ! Há efectivamente construção nova interessante, como a Casa da Música de Rem Koolhas. Gosto especialmente do efeito contrastante numa cidade velha, destes inesperados que se mesclam bem.
Não direi o mesmo das Amoreiras por exemplo.
Muito menos o direi do Cascais Villa escarrapachado logo alí à entrada, mas nem que fosse nos fundos.

Lá está, será sempre uma questão do bem ou mal conseguido, do todo, e de gostos. E duns serem arquitectura, e outros não, talvez..
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Por outro lado, não sei se estou a ser tendenciosa (também dada a minha preferência pessoal pela arquitectura antiga, pela qual sou fascinada) ao achar que é a arquitectura popular aquela que melhor nos define, ou representa.

Embora, ainda, se diga que não existe "a casa portuguesa", ou há quem diga que não existe, eu não concordo.
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Um inquérito que mudou a arquitectura
ANA VAZ MILHEIRO
24 de Abril de 1999, 0:00

A realização do inquérito à arquitectura popular portuguesa entre 1955 e 1960 é já quase uma lenda. As histórias que lhe estão associadas transformaram os seus participantes em heróis. E foram alguns desses homens que se reuniram no Museu da Cidade de Lisboa numa homenagem a Francisco Keil do Amaral, unanimemente considerado o "pai da ideia". Recordaram como o inquérito mudou a arquitectura portuguesa.

Conta-se que durante o inquérito à arquitectura popular portuguesa, Salazar terá perguntado a Fernando Távora, um dos arquitectos envolvidos, se finalmente considerava o granito um material mais nobre que o betão. "Isso é que não", respondeu Távora, perante a estupefacção dos ministros que assistiam à conversa. Ao que o ditador retorquiu: "Coitado, tão novo e já tão pervertido." Histórias como esta, narrada pelo arquitecto Carlos Carvalho Dias, foram recordadas na conferência "O Inquérito e a Salvaguarda do Património" realizada na quinta-feira no Museu da Cidade de Lisboa, moderada pela historiadora Ana Isabel Ribeiro e integrada num ciclo de homenagem a Keil do Amaral. Para relatarem as experiências vividas durante os cinco anos em que durou o levantamento à arquitectura popular, estavam com Carvalho Dias, os arquitectos Nuno Teotónio Pereira, Francisco Silva Dias, António Menéres e Artur Pires Martins. Na assistência, Celestino Castro, Fernando Torres e Alfredo Mata Antunes reviviam as mesmas memórias. Falaram das longas travessias a pé ou de lambreta, dos locais inacessíveis, dos percevejos com que partilhavam as camas, dos lavradores que os acolheram calorosamente, mesmo sem perceberem ao que vinham. Foi um tempo feliz.A história recente definiu-os ainda como resistentes ao regime por desafiarem, com as suas conclusões, algumas das directrizes que o Estado Novo ditava para a arquitectura. Porque, no final dos anos 40, quando Keil do Amaral lançou este desafio, a arquitectura construída em Portugal era um problema de Estado. A década fora marcada pela tentativa de estabelecer padrões para a linguagem arquitectónica onde sobressaíssem elementos decorativos portugueses. Os arquitectos, principalmente as gerações mais jovens, sentiam-se reféns do passado e o apelo do Movimento Moderno era demasiado forte para ser ignorado. A questão estava em escolher um caminho entre o moderno e a verdadeira tradição portuguesa. Mas que tradição? Este parecia ser o grande dilema. Keil apontou a estratégia: conhecer a arquitectura popular.Depois de uma recusa em 1948, só em 1955 o então Ministro das Obras Públicas disponibilizou as verbas para o fazer. Arquitectos já desaparecidos como Octávio Lixa Filgueiras, Arnaldo Araújo ou Frederico George, entre outros, foram alguns dos que responderam ao chamamento de Keil. E seis equipas de três arquitectos cada iniciaram os trabalhos.Talvez houvesse certa ingenuidade no consentimento dado pelos responsáveis políticos à realização do inquérito, demonstrada no modo como Salazar reage à resposta de Távora. Silva Dias lembra um outro episódio passado na Sociedade Nacional de Belas Artes em Lisboa. O Ministro da Obras Públicas dirigindo-se aos arquitectos terá dito: "Agora os senhores já sabem como projectar as escolas e os correios deste país." Referia-se à existência hipotética de uma arquitectura regional que conduzisse futuras obras. Mas o que os arquitectos tinham visto eram casas modestas, pocilgas, estábulos... E escolas? Poucas.Se o poder alimentava a expectativa de criar um "estilo português" baseado no inquérito, não o conseguiu. Afinal, provou-se que o que existia era uma arquitectura verdadeira e simples, como explica António Menéres: "Fiquei com o vício de saber ver e apreciar o trabalho anónimo de gerações e gerações que faziam uma arquitectura, diria eu, do necessário." Carvalho Dias vai mais longe quando evoca as repercussões do inquérito: "Sem este conhecimento, talvez Fernando Távora não tivesse construído a Casa de Ofir [1956-1958] ou Siza a casa de Chá da Boa Hora [1956-1963]". É a prova de que o confronto com a arquitectura espontânea marcou o percurso das gerações seguintes. "As lições do inquérito ainda perduram", remata Silva Dias.Os resultados foram publicados em 1961 e reeditados por duas vezes (1980 e 1988).


Ana Isabel Ribeiro recorda que "É urgente acautelar esse grande espólio que hoje pertence à Ordem dos Arquitectos". Para já espera-se uma nova edição.

Fonte:
Cultura-Ípsilon
https://www.publico.pt/1999/04/24/jornal/um-inquerito-que-mudou-a-arquitectura-132624
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Por outro lado, não sei se estou a ser tendenciosa (também dada a minha preferência pessoal pela arquitectura antiga, pela qual sou fascinada) ao achar que é a arquitectura popular aquela que melhor nos define, ou representa.

Embora, ainda, se diga que não existe "a casa portuguesa", ou há quem diga que não existe, eu não concordo.
E ainda acho que "esta fuga para a frente" com o abraçar tão efusivo do modernismo, mesmo na reabilitação, tem a ver com uma certa negação das verdadeiras raízes.
Ou uma ruptura, pelo menos.

Este projecto é uma barbaridade. Algo que pensávamos estar confinado às massacradas avenidas novas está a chegar aos bairros mais antigos...
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CMartin
E ainda acho que "esta fuga para a frente" com o abraçar tão efusivo do modernismo, mesmo na reabilitação, tem a ver com uma certa negação das verdadeiras raízes.
Ou uma ruptura, pelo menos.
A Casa Portuguesa

E


Vocação para a aparência
Autor: Desconheço.
(Fonte: o meu arquivo de "coisas" que vou coleccionando.)

(...)" Isto vê-se quando se entra na casa portuguesa, em que a multidão de objectos destinados a preencher o vazio já mal deixa espaço para o pão e vinho sobre a mesa. A casa portuguesa não tem um intervalo em que o olhar não encontre algo que foi colocado com o único propósito de fazer companhia, de enganar a solidão a que o nosso défice de relações pessoais significativas (ou com o significado que aprendemos a esperar delas) remete o quotidiano da larga maioria das pessoas, mesmo, ou principalmente, das mais insuspeitas. Pode-se ir mais longe que dizer dos portugueses que o vazio não os atrai, o vazio repugana-os, talvez, como escreve José Gil (*ver nota em baixo) por a ele associarmos a tal ausência. A vida, os espaços vitais dos portugueses, estão cheios até à saturação de coisinhas, de simulacros de algo que não conseguimos nem sabemos como obter, e isso vê-se como em mais parte nenhuma na casa portuguesa. Esta atitude tem dois efeitos imediatos: a destruição da arquitectura e a destruição dos próprios objectos.

Comecemos então pela destruição da arquitectura. Conceber uma casa para ser usufruída com prazer é, em Portugal uma perda de tempo. Imaginar a distribuição e divisão dos espaços de acordo com aquela que poderá ser a sua utilização harmoniosa e potencialmente indutora de um acréscimo na qualidade de vida de quem os venha a ocupar, ou seja, boa arquitectura, é deitar dinheiro pela janela fora. Meses de trabalho serão prontamente soterrados por bibelôs de todas as sortes e feitios pela mão decoradora dos habitantes. Aquela casa tão boa, tão espaçosa, tão luminosa e agradável, será irrevogavelmente habitada por objectos que concederão alguns estreitos corredores de vazio pelos quais as pessoas, suas convidadas, terão permissão para se movimentar: as casas em Portugal são sempre pequenas, independentemente das suas áreas.

Há uns anos, fiquei fascinado com uma casa alugada por uns conhecidos, que tive a oportunidade de visitar ainda em cru. Não era, a bem dizer, nada de especial, apenas uma antiga casa urbana de província, com os defeitos vulgarmente adstritos ao género, relativamente grande mas feita de divisões pequenas. Um pormenor, no entanto, dava àquele primeiro andar um charme difícil de encontrar nos apartamentos modernos. Acabados de subir as escadas, que faziam um canto, tínhamos à nossa frente um corredor comprido, com entradas de um lado e outro para várias divisões, que terminava, imagine-se, numa janela. Aquele fim de corredor não tinha sido aproveitado para uma casa de banho minúscula, não tinha sido comido pela engorda de nenhuma divisão e, ainda por cima, tinha uma janela que, embora sem vista para mais que a parede exterior do prédio em frente, dava à casa um espaço, uma luz e uma vontade de brincar raros. Quando voltei à casa, passadas umas semanas, já ela se encontrava mobilada e, portanto, completamente destruída. Os apertos financeiros que aconselhariam a compra de bens estritamente essenciais não foram suficientes para impedir os locatários de matar o corredor, cuja janela estava já coberta por uma cortina e precedida pela eterna mesa de camilha gloriosamente encimada por uma taça cheia de resíduos vegetais secos e perfumados. De casa antiga e encantadora, passou imediatamente a casa velha e apertada sem qualquer vantagem sobre o vulgar T qualquer coisa.

Depois, temos a destruição dos objectos. Imagine-se a família portuguesa a mudar-se para uma casa maior. Com ela, vem tudo, como é natural, desde mobília a electrodomésticos, passando pelos cacarecos. O plano de ocupação da nova casa está condicionado não à sua utilização, mas às possibilidades de arrumação da tralha, que será colocada de forma mais ou menos mimética em relação à habitação anterior. No entanto, há um problema, algo que constitui uma fonte de angustia desde o primeiro momento. A casa nova é maior e tem aquela grande parede branca, lisa, vazia. O que faremos “àquilo”? Não há, de entre a escolha preexistente, nada que chegue para encher aquele espaço, pelo que terá de se arranjar “alguma coisa” que, por obra e graça desta necessidade, se transforma automaticamente em “qualquer coisa”. A partir deste momento, já não é importante que “coisa” irá ser arranjada para pendurar naquela parede. Uma peça de artesanato comprada naquelas férias, a carta astrológica de 2005, a fotografia dos antepassados, um pirilampo mágico, uma máscara veneziana das Colecções Philae, um Picasso original, um calendário com a Pamela Anderson, um tapete de arraiolos, 300 moldurinhas com flores feitas de escamas de peixe pintadas, uma chusma de pratos de louça de Coimbra, um poster do filme da nossa vida ou o quadro do menino a chorar são todos a mesma coisa: tralha indiferenciada. O valor sentimental, artístico ou simplesmente monetário de qualquer objecto naquela parede, e naquela casa, está já colocado ao nível da parte de trás da sanita como mais uma coisa que dá trabalho a limpar. É mais uma coisa de que temos que nos desviar, é mais uma coisa que tem de se afastar para se ir para, uma coisa que tem de se mudar de sítio porque ali atrapalha quando, um buraco que tem de se tapar quando mudarmos novamente para o senhorio não protestar. Acabou-se.

O pior, é que a nossa vocação para asfixiar a vida com tralha não se passa unicamente ao nível do nosso espaço doméstico. Não se passa, aliás, só ao nível do espaço físico. É uma vocação para transformar tudo em aparência, para a anulação da substância, que daria muitas e boas conversas em torno de muito e bons livros. E não só."

*José Gil, Autor de "Portugal, O Medo de Existir".




Fonte da imagem : https://www.google.pt/search?q=room...g4IIigA&biw=360&bih=560#imgrc=6WXp4X9TVWsrvM:
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Não tem essa imagem da casa tradicional portuguesa em grande?
Em grande ou com melhor definição ?
A fonte é o jornal Expresso, mas não se consegue aceder online (página não encontrada, diz).
O melhor que se consegue ver acho que é dividida, assim.

Casas do Norte
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Casas do Centro e Sul




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